DOIS

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A luz falhou mais uma vez, atrasando a concretização da linha que Vinícius pensava em fazer. Geralmente, ele podia fazer qualquer coisa, mas imitar os colegas o deixava receoso e desanimado, com poucos avanços em sua tarefa além de olhar cabisbaixo para o papel em branco desde que a noite tinha chegado.

A televisão já estava desligada há horas; no lugar dela, as quedas de energia e os trovões haviam se tornado o obstáculo para sua concentração.

Mais cedo, a chuva não havia alcançado Sara e ele, mas, pouco depois de devidamente abrigados, a água caiu do céu com uma fúria desconhecida, como se pretendesse deixar tudo no nível do solo, dissolvendo montanhas e casas em uma única inundação.

- Tudo bem? - Preocupada, a avó surgiu atrás dele, olhando para o neto jogado no chão da sala entre papéis e lápis. - Se estiver com medo dos relâmpagos, pode ficar na cozinha. Já vamos jantar.

Vinícius olhou para Roxane. Não dava para dizer quem mais temia que o telhado acima deles fosse arrancado, se ele ou ela.

- Vovó.

- Sim?

- Como é meu pai? - O menino se ergueu e ficou com as pernas cruzadas sobre o tapete.

A mulher engoliu em seco.

- Por que a pergunta?

- É que mamãe disse que é para eu fazer os desenhos parecidos com o dos meus colegas, mas todos fizeram desenhos dos pais e eu não sei como é o meu.

- Bom, olha... Seu pai... Ele era alto, tinha os cabelos claros e quase cacheados como os seus e também tinha olhos azuis. Não é o suficiente?

- Sim. É que eu fiquei curioso. Será que minha outra avó e meu avô podem me dar uma foto?

- Certamente, querido. Assim que eu os vir vou pedir uma para você. Pode deixar. Agora, se quiser ir para a mesa, vá. Não fique nesse chão duro muito tempo. - Roxane deu meia volta e saiu pisando miúdo para a cozinha. - Ele já falou com você? - Aspergindo as palavras no ar, passou pela filha, que provava um molho.

- Quem?

- Vinícius - disse ela, pegando uma faca para terminar de cortar as verduras. - Ele falou que queria uma foto do pai para um desenho.

- E o que você falou?

- Que iria falar com os avós dele.

Sara ficou um minuto olhando para a mãe.

- Você vai?

- Creio que você é quem decide, não? Afinal, esse era seu plano ao voltar para cá, não era?

- Eles não gostam de mim.

- Eles têm medo de você. É diferente - Roxane falou mais baixo, olhando em direção à sala. - Não se sentem bem. Nunca se sentiram.

A mãe de Vinícius olhou para as panelas, não necessariamente preocupada com o chiado ou com as bolhas se formando na mistura.

- Termine aqui, por favor. Eu já volto. - Ela deixou a colher e andou para o quarto, hesitando por um instante e depois voltando para a direção certa, como se os ventos que açoitavam as paredes pelo lado de fora a empurrassem.

Fechou a porta e se sentou na cama, fitando a tintura da parede, em um ponto próximo à janela fechada com clarões espreitando pelas frestas.

Não foi preciso esforço para o barulho dos trovões a conduzirem para longe feito uma canção de ninar.

De repente, tudo estava se embaçando e fazendo ressurgir à sua frente aquele dia ofuscado pela branquidão com a qual a pacata cidade de Defrim estava vestida.

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