TREZE

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Cíntia liderou a subida para o segundo andar e apresentou o ateliê repaginado. Não havia mais paletas velhas ou tecidos sujos no chão, ao invés disso as paredes estavam enfeitadas com quadros nos intervalos entre as prateleiras repletas de material para a produção artística: paletas novas, réguas, porta-canetas com pincéis e uma coleção de frascos de tinta. Encostadas ao chão, telas em branco descansavam à espera das primeiras pinceladas.

A janela da varanda estava aberta, deixando a luz entrar e iluminar o cavalete que permanecia no lugar de sempre, embora atualmente pintado de branco.

– Fizeram um belo trabalho. – Cristina repousou os óculos sobre a franja e coçou os olhos.

– Eu quis deixar parecido com o que era, mas dando meu toque pessoal. – Cíntia andou pelo cômodo e abriu os braços. Os filhos tinham se dispersado para seus respectivos quartos antes de entrarem no ateliê, mas os visitantes estavam interessados no que ela mostrava. – Não sou um gênio, eu sei. É tudo uma terapia. O importante é que eu estou gostando.

Enzo se aproximou do cavalete e observou o rascunho inacabado de um projeto que pouco a pouco tomava a forma de um cesto de frutas.

– Está ficando ótimo.

– Agradeço o elogio, embora deva dizer que meu amadorismo não tenha muita utilidade por enquanto. Diferente daqueles quadros da escola do seu filho. Nós doamos para instituições de caridade, mas fazer isso com arte como fez aquele pintor misterioso deve ser uma honra. Você chegou a comprar algum?

– Não – Enzo desconversou.

– Eu descobri tudo tarde. E os compradores estavam entusiasmados. Mas o pintor está por aí. Vão aparecer outras oportunidades de adquirir o trabalho dele. Quem sabe podemos até conversar um pouco.

Enzo sentiu um impulso de olhar para o filho e o viu saindo para a varanda. O pai se adiantou atrás dele e, tal como o menino, teve a atenção capturada pela paisagem que se abria além das cortinas, a mesma encontrada no quadro pendurado no escritório de Odete.

– Excelente vista, não? – Cíntia falou às suas costas.

– Cícero pintou isso.

– Mais de uma vez – chegou Inácio. – Pintou em diferentes épocas do ano.

– Cuidado, cara. – Enzo esticou o braço e impediu que o filho se aproximasse demais do parapeito de ferro.

– Vem, Vinícius – chamou Cíntia. – Deixa eu te mostrar umas coisas.

Ela passou com o garoto por Cristina, que chegava de cabeça baixa. A restauradora ficou na varanda com os dois homens, ainda que parecesse um pouco incomodada, pondo os óculos escuros e mexendo o cabelo curto.

Desatenta à paisagem e particularmente interessada em suas sandálias, ela pareceu a Enzo uma celebridade se esquivando de flashes de câmeras. Ele tirou os olhos dela e se virou para o interior do ateliê, onde Cíntia mostrava pincéis e telas para Vinícius.

– Ele não está perturbando minha mulher. Ela gosta de crianças – falou Inácio. – Por isso foi bom terem vindo. Desde um aborto espontâneo há um tempo que ela precisa de ajuda para se animar. Por essa razão que eu a trouxe para cá. Um clima mais aconchegante e um ar mais puro a farão bem, sem falar nesse local para ela praticar seu hobby. – Ele olhou para o outro homem. – A arte nos melhora.

Enzo concordou com um aceno suave de cabeça. Vendo a mulher agachada, ensinando o menino a manusear os instrumentos, ele não deixou de pensar que a arte pode melhorar muitas coisas, se tiver uma chance.

– Senhora Cíntia? – Ele se aproximou.

– Pois não? – A mulher olhou para cima e se levantou.

– Gostaria mesmo de algum dos quadros do leilão beneficente?

– Sim. Conhece algum comprador?

– Não exatamente, mas tenho acesso ao pintor. – Enzo deu uma olhada rápida para trás e viu Cristina levantar as sobrancelhas ligeiramente acima da armação amarela dos óculos, atenta. – Se quiser, pode fazer uma encomenda.

Cíntia hesitou por um instante, surpresa, e logo se concentrou.

– Eu quero uma coisa – disse.

– Eu estou disposto a ouvir. – Enzo olhou para o filho. – E o pintor também.

Pouco depois, Cíntia estava batendo insistentemente na porta do quarto de Leila.

– O que foi? – A moça abriu.

– Eu vou chamar o seu irmão. Quero todos no jardim agora.

– O que aconteceu?

A mãe, já se afastando, se virou.

– Uma coisa fantástica! Você vai querer ver.

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