Anthony estava perdido, e o pior é que o problema em questão em nada tinha a ver com ele.
Engraçado pensar em como, há quase dois meses, tinha vindo para o campo atrás de fugir de encrencas, e agora se via metido até o pescoço na vida dos Bennet.
Mas afinal, o que mais poderia fazer?
Já tinha se disponibilizado a abrir sua casa para os convidados deles, já tinha se feito ombro amigo, e agora descobria que haviam três jovens solteiras para desposar?!
Claro, talvez fosse um exagero da parte de Anthony se delegar esta responsabilidade. Afinal, Lizzy em nada perguntara sobre sua predileção por uma de suas irmãs, ou a disponibilidade de Benedict ou Colin para tais arranjos, mas havia algo tão desesperador naquilo, que quase o fazia sentir como se fosse com ele próprio.
Lizzy se casaria em breve, ou pelo menos, teria de arranjar alguém com quem casar...era desalentador.
— Poderia saber em quem gostaria de descontar toda essa raiva, irmão?! — Benedict gracejou, poucos após defender o último golpe de Anthony, já que travavam esgrima no jardim.
— Não há raiva para se descontar! Apenas estou me certificando de que permanece alerta! — retrucara, negando qualquer insinuação, por sua vez desferindo um novo golpe ainda mais incisivo.
Felizmente, Benedict ainda estava com a guarda alta o bastante para não se deixar ser atingido, mesmo que a um certo custo.
— Benedict tem razão, irmão. Já faz alguns dias que anda meio...aéreo, e agora nos tira para um treino de esgrima? Pode ser o mais velho, mas o conhecemos o mesmo número de anos que nos conhece. — Colin intercedeu em favor ao questionamento de Bene, intercalando o olhar entre os irmãos, até se fixar em seu mais velho.
— Mais que inferno, será que não podemos apenas treinar, ou tem tanto medo de mim que preferem tiro ao alvo?! Tenho certeza que as cerâmicas não reclamariam tanto quanto vocês! — o visconde devolveu impaciente, tacando seu florete de lado, marchando a passos duros até a cadeira mais próxima.
Benedict e Colin, que já estavam mais do que acostumados com suas oscilações de humor, não se afetaram com o ataque feito contra seus egos. Contudo, tinham de admitir que ver seu irmão reagir daquele jeito os preocupava, pois havia mais do que raiva ali, ao ponto que quase beirava à melancolia.
— Aceito a troca de esportes, mas terá de fazer valer de algo, caso queira manter nossa companhia! — Colin concordou, recolhendo os floretes, para os descansar no suporte. — Podemos não ter o White's para frequentar, mas sei de um bar bom o bastante para fazer as nossas tardes: O perdedor paga!
— Não estou muito interessado em bebidas, devo confessar, mas se quiserem que eu pague algumas rodadas para vocês, ficarei mais do que satisfeito. — o mais velho pontuou, num suspiro exausto, que em nada animou seus irmãos.
Afinal, o que teria acabado com o humor de Anthony daquela forma?
— Cavalheiros, vejo que estão esgrimindo. Poderíamos acompanhá-los? — de repente, a voz de um certo homem tocou os ouvidos do visconde, como se fosse tudo de que precisasse para enfim ter uma catarse.
Era o Senhor Wickham, que vinha com o Senhor Collins em seu encalço. Eram eles o motivo para todo o temor de Elizabeth, não a enfermidade do Senhor Bennet e sua iminente morte. Afinal, Anthony tinha irmãs, e mesmo que jamais se permitisse deixar de pensar na morte de Edmund como uma perda inestimável, sabia que nem Daphne, Eloise, Francesca ou Hyacinth encaravam o debute como um caso de vida ou morte, pois sabiam que Anthony jamais as atiraria aquilo.
Mas Wickham e Collins, não tendo qualquer tipo de compromisso para além dos laços sanguíneos para com as Bennet, certamente não teriam escrúpulos na hora de gerirem os seus debutes.
— Mas é claro, cavalheiros. Quem gostaria de travar a primeira partida comigo? — perguntou com humor renovado, o sorriso perigosamente largo denunciando aos irmãos que sua proposta tinha segundas intenções.
— Oras, irmão, para que tanto entusiasmo? Deixe os mais novos se divertirem antes! — Benedict fora rápido em interceptá-lo, suas duas mãos fazendo peso em seus ombros ao forçá-lo a se sentar novamente na cadeira.
Colin, notando aquela deixa, se aproveitara para lançar um florete para cada um, se colocando em posição para digladiar com o Senhor Collins, que parecia mais preocupado em ser metódico em seus movimentos, do que ganhar intimidade com a arma em mãos.
Particularmente, Anthony quis roubar aquele florete das mãos do homem e acertar todos ao seu redor: seus irmãos por imobilizá-lo, e os outros homens por lhe testarem a paciência.
Contudo, no fim se viu quase que agradecido por tal impossibilidade, reconhecendo que mais do que se irritar daquela forma, ele precisava tentar entender o que o fazia se sensibilizar tanto por Lizzy.
*£*— É um verdadeiro guloso, meu pequenino George! — Lydia exclamou, exibindo seu adorável bebê para a mãe, na sala de visitas.
Depois de tomar a grande decisão de mandar suas filhas muito em breve para Londres, o Senhor Bennet não pareceu mais se importar em evitar encarar seus “parentes”, abrindo as portas de Longbourn para visitas. Para a felicidade de todos, nenhum deles pareceu muito interessado em abandonar as comodidades de Aubrey Hall para visitar um pobre enfermo, e, fora uma única visita formal do Senhor Collins para prestar seus pedidos de melhora, a única que pareceu se aproveitar mais daquela brecha foi Lydia, que agora praticamente vivia o dia inteiro em seu antigo lar.
— Ele tem as bochechas mais adoráveis...Me lembra um pouco de seu pai, antes da idade ter as descarnado! — A Senhora Bennet exclamou em regozijo, pegando o pequeno em seu colo, o embalando em leves palmadinhas na fralda.
Até mesmo Lizzy, que era aquela que mantinha consigo o dever de alimentar o rancor pela imprudência de Lydia no verão passado, tinha de concordar que achava aquele neném uma gracinha.
— Mamãe, dou graças ao bom Deus pela senhora não ter se acanhado com a dor do parto! Caso o contrário, eu mais do que todas, nunca teria tido chances de nascer! — a caçula das Bennet seguiu em sua conversação, parecendo pouco se importar com o fato de apenas Kitty e sua mãe parecerem genuinamente felizes com sua presença em casa.
— Oras, uma mulher nunca desiste logo no primeiro filho, sem falar que eu ainda tinha esperanças de ter um menininho! De todo modo, é reconfortante ver que já tivera sorte em sua primeira vinda! Que os próximos venham igualmente afortunados! — a mulher sorrira, erguendo o bebê para o alto.
Ainda tagarelavam e riam um bocado quando Elizabeth se dera por satisfeita, se recolhendo para o próprio quarto, afim de se preservar. Vinha se tornando um hábito comum desde que se dera conta de que daria adeus muito em breve aqueles aposentos, pois caso sua missão fosse bem-sucedida, se casaria e teria um novo lar para chamar de seu.
Quanto ao quarto que a estaria esperando em Londres, felizmente não seria um que teria de dividir com Caroline Bingley, já que havia chegado aos seus ouvidos que esta teria se casado com o Coronel Fitzwilliam, primo do Senhor Darcy. Certamente havia sido um ardil intrigante para continuar próxima ao proprietário de Pemberley, mas por alguma razão, tais fuxicos pouco pareciam importar para Lizzy.
Mas afinal, o que a teria feito mudar desde o verão passado?
Não fazia muito tempo desde que vivia amuada, remoendo sua desavença com Lady Catherine de Bourgh, seu “quase noivado” com o Senhor Darcy, e ainda assim, tudo parecia tão irrelevante, quase como se tivesse sido experienciado numa vida passada.
Talvez fosse porque sua cabeça ainda insistia em voltar para Anthony, e em sua reação quase catatônica quando ela o comunicara de que precisaria casar.
Queria que ele se lamentasse? Queria que ele se indignasse? Queria que ele se ajoelhasse e se elegesse como possível pretendente? No fim, nem mesmo ela sabia.
A única certeza de que tinha era de que os dias estavam correndo, e em breve sua vida estaria prestes a dar uma virada de que nunca mais se recuperaria.
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Desprezo & Devoção
Любовные романыDes.pre.zo: Falta de estima, repulsa. De.vo.ção: Afeto, dedicação. Como palavras tão distintas em significados poderiam ser despertadas simultaneamente em presença de um certo alguém? Nem Elizabeth Bennet, tampouco o Visconde Anthony Bridgerto...