Mau presságio

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   Para a felicidade de uns, e a infelicidade de outros — listando-se Anthony e Eloise — a recente visita dos Bennet a Aubrey Hall encorajara os demais locais a insistirem para que o visconde abrisse suas portas para as famílias nas redondezas, persistência que só fora amansada com promessas de visitas às respectivas propriedades ao redor de Meryton, mais a organização de um baile que prometia ser o encerramento das férias dos Bridgerton.

   Afinal, a temporada estava se aproximando, e por mais que Anthony já não sentisse mais o tempo se arrastar, muito em breve teria de retornar a Londres para não só assistir à Eloise, como também se empenhar em encontrar uma esposa para si.

   Contudo, o homem não conseguia pensar muito sobre, não quando tinha Elizabeth ao seu lado. Haviam finalmente encontrado uma companhia agradável um no outro, e na falta de justificativas que os permitissem se encontrar mais vezes, passaram a inventar pequenas desculpas para se encontrarem às escondidas na estrada, trilhando seus caminhos até Meryton, ao passo em que se permitiam conversar de tudo um pouco.

   — Ficará feliz em saber que a notícia de sua estada no Hertfordshire chegara a Kent. — Lizzy comentara num tom falsamente emocionado, coberto de uma malícia divertida. — Meu primo já marcou presença até sábado em Longbourn, apenas para conhecê-lo.

   — Oh, não, mais um Bennet com quem lidar?! — Anthony devolvera no mesmo tom, rindo de canto enquanto ambos andavam a passos tranquilos em uma de suas muitas caminhadas até Meryton. — Que Deus tenha piedade de mim.

   — Na verdade, o sobrenome dele é Collins. Mas, sendo o herdeiro de meu pai, e portanto futuro proprietário de suas terras, talvez possa o reconhecer como “Bennet”. — ela o corrigiu, mas apesar do sarcasmo ainda aparente em sua voz, já não parecia mais estar se divertindo tanto com o assunto.

   — Collins?! — exclamara, sem se dar conta do quão alto o fizera, freando seus passos.

   — Sim, Anthony. Por quê? — a jovem estranhara sua reação, ou pelo menos a intensidade desta.

   Fazia duas semanas desde que ouvira aquele sobrenome pela primeira vez, e mesmo assim não conseguia deixar de se lembrar do contexto em que escutara.

   — Então, quase noivou com o seu primo? — ele soltara a questão, sem muito ponderar o quão direto estava sendo.

   Elizabeth mesmo levara alguns segundos para processar como tal informação chegara a seus ouvidos, até possivelmente começar a se lembrar de forma remota a ocasião em que sua mãe resmungara mais do que devia.

   Não achava que era um assunto a ser discutido com Anthony, mas dado o visível interesse dele, não vira mal em estender um pouco mais a conversa, até ter certeza de que a incomodaria ou não.

   — Sim, eu cheguei a receber uma proposta do Senhor Collins, mas nada que de fato me tentasse. — dera de ombros, talvez um pouco mais na defensiva do que gostaria. — Claro que minha mãe não gostara da minha recusa. Achara muita petulância de minha parte abrir mão da oportunidade de ser a futura senhora de Longbourn.

   — Decerto que tal casamento ajudaria a manter as coisas como estão. — Anthony refletira, pesando as perspectivas. Com cinco meninas incapacitadas de herdarem a própria casa, não era de se espantar que a Senhora Bennet tivesse desejado que pelo menos uma delas tentasse a sorte.

   — Mas me custaria a minha felicidade pelo resto de minha vida. — Elizabeth pontuou com rispidez, retomando a caminhada, forçando-o a fazer o mesmo. — Passei algumas semanas na propriedade dele, em Kent. Minha amiga acabara sendo eleita sua pretendente, na falta de minha mão, e portanto acabei podendo ver que tal vida jamais me serviria. — afirmou, abraçando-se ao próprio corpo.

   — Não quis te ofender. Apenas concordei que, no termo mais prático, não seria uma perspectiva tão ruim! — ele se defendeu, pondo-se ao seu lado. — Mas eu não conheço a índole deste tal Senhor Collins, e não a censuro de forma alguma por não ter o considerado um bom pretendente.

   — Oh, não, não tome minhas dores dessa forma! Meu primo não é nenhum monstro, apesar de um tanto esnobe. Não seria capaz de fazer mal a uma mosca, desde que esta mosca não estivesse sobrevoando a cabeça de Lady Catherine de Bourgh, sua protetora. — ela prontamente se explicara, esperando evitar algum tipo de mal entendido quando os dois cavalheiros fossem vir a se conhecer, dentro de alguns dias.

   — Ainda assim, o dispensara com muita facilidade. — ele apontou, voltando a ficar confuso com aquela história.

   — Entenda, sei que um casamento me aguarda em algum momento de minha vida, mas não quero tornar disto a minha prisão. Eu quero me sentir amada, e insosso como é, jamais o Senhor Collins poderia me dar tal conforto. — explicou, um tanto satisfeita com seu ponto de vista.

   Anthony, por outro lado, não poderia discordar mais. Tinha planos de em breve ter uma esposa, mas apesar de não ter pretensões de tornar a vida de sua eleita miserável, também não estava disposto a se fazer como algo além de um provedor.

   Mas na incapacidade de expor tal opinião à Elizabeth, se limitara a assentir com a cabeça, desconcertado com o fato de que preferia se calar a ferir os sentimentos dela. Simplesmente começava a estimá-la demais para isso.

   Com nenhum dos dois muito dispostos a levantar qualquer outro assunto além daquele conversado há pouco, se limitaram a seguir o restante do caminho em silêncio, até o som de seus passos ser substituído pela movimentação em Meryton, assim que chegaram.

   — Bom, creio que é aqui que nos separamos. — ele murmurou, um tanto incerto de que era isto mesmo que gostaria de fazer.

   — Venha, o acompanharei até o ponto onde aluga sua carruagem para Aubrey Hall. — ela se dispusera a lhe fazer companhia por mais alguns minutos, e sentindo-se especialmente presunçoso, ele lhe ofertara o braço para que seguissem juntos.

   Foram mais alguns minutos de comentários breves sobre as últimas novas que haviam escutado sobre a cidade, quando finalmente chegaram até o lugar, onde Anthony se pusera a trocar informações com o cocheiro.

   Elizabeth, meio a parte da cena, se pusera a admirar a passagem das pessoas do outro lado da rua, que era especialmente abarrotada por se tratar de um centro comercial. Contudo, o que não pôde esperar foi ver no meio de toda aquela gente, uma figura encurvada que muito lutava para se esconder debaixo de seu chapéu.

   Para a infelicidade de tal figura, Lizzy passara mais de vinte anos em sua companhia para poder reconhecê-lo, mesmo de uma distância relativamente grande: era seu pai, que furtivamente se esgueirava para dentro do consultório do médico local.

   Com um nó invisível em sua garganta, Elizabeth tentara não pensar no que o teria o levado a agir assim, tão furtivamente, ainda mais quando ela mesma estava às escondidas com o visconde em Meryton.

   — Lizzy? — Anthony a chamara, tocando suavemente em seu braço, para tentar chamar sua atenção, e algo em sua voz denunciara de que talvez não fosse a primeira vez a chamando.

   — Está um dia tumultuado, não?! — ela tentara sorrir, mesmo sentindo seu interior esmorecer. — Espero que faça boa viagem, Anthony! — se despedira rapidamente, fazendo uma breve mesura antes de correr para longe dali.

   Anthony podia não fazer ideia do que estava se havendo, mas mais uma vez não pôde deixar de se sentir mal por vê-la escorrendo entre seus dedos.

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