Parentes indesejados

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   Anthony se arrependeu de sua promessa no instante em que os parentes de Lizzy chegaram à porta.

   Tinha quase certeza de ter ouvido falar que eles não haviam se programado de chegarem ao mesmo tempo, mas alguma força do universo pareceu contribuir para que aquilo acontecesse, e pior, que o visconde tivesse de lidar com isso.

   Bendita seja Violet, que como matrona de Aubrey Hall, tomara a frente nos cuidados da hospedagem, só eventualmente pontuando com o filho as solicitações que vinham de seus convidados: era um Senhor Collins pedindo para celebrar alguns versículos antes de todos se recolherem; uma Senhora Wickham pedindo por mais doces; e um Senhor Wickham se esforçando mais do que devia para se entrosar com Anthony.

   Felizmente, o visconde já fora advertido por Elizabeth quanto ao jeito falastrão do cunhado, o que o levou a ter de advertir os demais Bridgertons: fora algumas cordialidades, eles estavam proibidos de confraternizarem seja com os Collins, seja com os Wickham.

   Afinal, detestaria ver sua dor de cabeça evoluir para uma decapitação, caso algum de seus irmãos caísse na laia de algum deles.

   Observando em seu relógio de bolso que já passava das dez, decidira aproveitar daquele momento para descer à cozinha, e caçar algo para comer. Vinha evitando confraternizar durante as refeições para se poupar ainda mais de estresse, e por mais que seu estômago pagasse com isso, vinha valendo à pena.

   Já descia as escadas para o hall quando vira aquelas figuras cruzando seu caminho, indo de uma ponta para a outra do cômodo.

   — Lorde Bridgerton! — uma animada Lydia exclamou, trocando o peso de seu bebê de um braço para o outro.

   Não tinha muito em comum com Lizzy, para além dos cabelos castanhos, mas havia algo na forma como ela não parecia se dar conta do homem ao seu lado, o fazia sentir pena dela.

   — Senhor e Senhora Wickham. — ele retribuíra o cumprimento com um acenar duro de cabeça, torcendo para que aquilo fosse o bastante para ilustrar sua falta de vontade em conversar com qualquer um deles.

   — Eu e Lydia andamos conversando sobre vossa amizade com os Bennet, e me surpreendi ao descobrir que de fato não era um laço que se encontrava forte até o início dessa estação. — o homem ainda assim prosseguiu com a conversação, seguindo o visconde, que por sua vez marchava rumo à cozinha.

   — Ligações são feitas e desfeitas a todo instante, não é mesmo, senhor Wickham? O que exatamente o espanta nisso? — Anthony retrucou, seus olhos caçando freneticamente por sua mãe, a única que sabia que poderia lidar com essa ladainha em seu lugar.

   — Bom, apesar de sua cortesia em nos acomodar em Aubrey Hall, o senhor não tem parecido muito interessado em estreitar os laços com o outro ramo da família Bennet. Haveria algo de errado? — quis saber, e mesmo que a língua do outro latejasse com a vontade de lançar uma resposta malcriada, preferiu por desconversar.

   Afinal, se queria fazer da estadia deles em sua casa uma cortina de fumaça contra a recuperação do Senhor Bennet, precisaria se empenhar mais.

   — Meu amigo, já viu com quantos irmãos tenho de lidar? Quantas irmãs tenho de desposar? Peço desculpas se minha vinda ao interior o faz acreditar que estou de férias, mas se há muito para fazer quando se é chefe de família. — ele dera o melhor de seus sorrisos, dando um tapinha um pouco mais forte que o necessário nas costas de Wickham. — Deve imaginar, já que agora tem sua esposa e seu rapazinho para cuidar.

   John o encarou, desconsertado com a súbita mudança de atitude, mas algo na forma como os olhos dele brilharam com esperteza fez Anthony ter certeza de que precisaria se esforçar mais para o ludibriar.

   — Bom, acho que o senhor talvez tenha razão. — Wickham dera um sorriso estranho, um dos cantos dos lábios se erguendo mais enquanto estudava o visconde. — Mas não sei se parece adequado abusar de sua boa vontade , quando temos parentes há poucas horas daqui. — concluiu, num tom mais astuto do que Anthony gostaria de escutar.

   — Ô, Senhor Wickham! Então é aqui que o senhor e sua esposa estão?! — como um milagre, a voz de Violet exclamando da outra ponta do corredor desviou a atenção de todos. — Por favor, venham. Os pães doces que a Senhora Wickham encomendou acabam de chegar, e estão fresquíssimos! — ela assegurou, acenando para a criada ao seu lado para que conduzisse o casal de convidados para fora dali.

   Não havia sido um movimento sutil, e talvez só fosse servir para fomentar a última questão levantada por John, mas pelo menos impedira o visconde de simplesmente desferir um soco no queixo daquele maldito.

   Parecendo notar o estado de espírito do filho, a viscondessa-viúva apenas se aproximou a passos tranquilos, apertando uma das mãos dele num gesto reconfortante.

   — Terá de aprender a ser mais gentil com essa gente, se quiser inseri-los à família. — ela riu suavemente, embora algo na forma como ela voltara a olhar para a esquina por onde o casal sumira, denunciasse que desgostava deles tanto quanto.

   — Família? Por céus, mãe! Estou apenas os hospedando até a melhora do Senhor Bennet! — ele protestou, se perguntando como exatamente aquele povo poderia vir a ser da sua família. — Sem falar que todos já estão devidamente em pares, graças a Deus.

   — Bom, Elizabeth não está, e como parenta deles, eu pensei que... — Violet o refutou, como se ele fosse bobo ou ingênuo demais para cogitar o óbvio. — Ora, Anthony, não vai me dizer que isso não se passou em sua mente?!

   — Eu e Lizzy? Esse seria um arranjo...improvável. — ele negou com a cabeça, embora nunca tivesse parado para pensar nesse sentido.

   Fantasiar com um cenário em que ela fosse “sua viscondessa” não era tão fácil, dado o número de exigências que estipulara para si mesmo quando decidira por desposar uma dama na próxima temporada. Por outro lado, quando tentava pensar nela apenas como “sua esposa”, cenas como ela rindo com ele durante suas andanças, ou ela abraçando-o forte, rapidamente vinham a sua mente.

   A ideia de manter aquele sorriso consigo parecia tão tentadora, tão fácil...Mas muito inadequada.

   — Mãe, creio que a Senhorita Bennet não esteja interessada no tipo de casamento que a sociedade londrina está disposta a ofertar. — ele riu amargamente, resignando-se.

   — Como assim? — a mulher franzira o cenho, um tanto confusa.

   — A de um acordo prático e racional. — o visconde ergueu o queixo. — A Senhorita Bennet procura por fogo, por paixão...Afinal, por que acha que ele fugiu de seu noivado com o Senhor Collins? — perguntara, já que apesar de não ter sido conversado muito, certamente a mãe deveria se lembrar daquela tarde em Aubrey Hall, em que a Senhora Bennet comentara sobre.

   — Bom, imagino que seja apenas porque ela tenha olhos, meu bem. Sem falar que você não é exatamente parecido com o Senhor Collins. — a matriarca apertou ainda mais o rosto, desconsertada. — Anthony...? — insistiu, segurando suavemente no ombro do filho, pedindo por alguma explicação.

   — Não fique com medo, minha mãe. Ainda terá sua nora para orientar, e seus netos para mimar. Só peço para que deixe a Senhorita Bennet de lado em suas fantasias, está bem? — ele tentou seu melhor para reconfortá-la, mas algo como o olhar dela endureceu, mostrou que talvez não estivesse indo bem. — De todo modo, eu vou retornar para meu escritório. Com os Wickham na cozinha, lá se irá minha chance de comer em paz. Peça por favor a um dos criados para me levar uma bandeja, por favor? — pediu, se despedindo com um beijo na bochecha da mãe, lhe voltando as costas.

   Estava decidido que não precisava continuar prestando satisfações quanto a conclusão que chegara entre ele e Elizabeth.

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