Desprezo & Devoção

Orgulho e Presunção

   Lady Danburry havia sido generosa ao aprontar previamente todos os detalhes daquela noite: os pratos refinados, a decoração impecável e principalmente os trajes que Kate e Edwina usavam.

   O sobrenome “Sharma” podia soar escandaloso dentro das rodas de conversa, mas era inegável o quanto a mais nova das irmãs havia caído nas graças dos rapazes naquela noite. Desde que haviam adentrado o salão, foram poucas as vezes que Kate vira a caçula não ser puxada para uma valsa, e levando em conta o sorriso no rosto dela, não haviam dúvidas de que aquela noite estava sendo uma estreia e tanto na temporada.

   “Só falta acertar a questão do dote” a mais velha das Sharma pontuou em sua mente, pegando uma limonada fresca quando um dos serviçais passou distribuindo entre os convidados. Afinal, apesar da graça de sua irmãzinha, ainda haviam muitas damas de sobrenomes nobres no salão, e isso ainda poderia se provar um desafio para as duas.

   Mas não havia problema em deixar tais questões para uma próxima festa. Na noite anterior já haviam se banhado em apreensões, e agora que haviam ganhado a noite não seria justo estragá-la com tais dilemas.

   Foi quando os ouvidos aguçados de Kate captaram uma conversa não muito distante de si, e pelo timbre nas vozes, parecia ser algo tratado entre cavalheiros:

   — É uma verdadeira beleza essa tal de Edwina, não? — um homem murmurou, claramente enamorado. — Uma pena que ainda não tenha conseguido tirá-la para uma dança sequer.

   — Pensei que tinha vindo a esta festa a procura de uma noiva, não uma distração. — outro o refutou, e Kate cerrara os punhos enluvados, ainda sem se pronunciar. — É uma moça bela, de fato, mas a beleza é algo extremamente leviano se levar em conta que se vai com o tempo. O pai era um escriturário, e portanto seu verdadeiro questionamento deveria ser se o baixo dote que ela poderá lhe oferecer lhe será o suficiente. — ele acrescentou, e aquela fora a gota d'água para que Kate agisse.

   Girando os calcanhares em sentido aos senhores onde supôs ter escutado a recente conversa, a Sharma marchou determinada, esbarrando com sua limonada num gesto não tão acidental.

   — Mil desculpas, senhores. — lamentou falsamente, sem se importar em distinguir qual deles teria feito o elogio ou o insulto contra Edwina.

   — Não tem com que se preocupar. — um deles falou com o tom dócil, enquanto o outro mal se abalou, parecendo se contentar em desprezar a garota apenas com o olhar.

   Este segundo era um homem admirável, tanto em postura quanto em beleza. Uma pena que dada sua reação Kate só pôde supor que fora ele a desdenhar de sua família.

   — Não tem nada a dizer, milorde? — ela o desafiou, embora sua face exibisse um sorriso inocente.

   — Não sou um “Lorde”, madame. E não sei se há muito a se falar depois que se está banhado em limonada. — apesar da resposta atravessada, não havia sarcasmo em seu tom, apenas uma polidez assombrosa.

   — Senhor Darcy e Senhor O'Malley. — aquele quem possivelmente era O'Malley fez as devidas apresentações, pondo-se entre ambos. — E a Senhorita seria...?

   — Sharma. Kathani Sharma, a filha mais velha do escriturário. — declarou, fazendo questão de salientar a relação que Darcy havia feito tanta questão de esnobar. — Mas podem se referir a mim apenas como Senhorita Kate, já que tem sido assim que venho sido apresentada desde que cheguei à Londres.

   A reação dos cavalheiros a suas palavras não poderia ter sido mais distinta: Enquanto O'Malley esboçava um espanto que beirava à vergonha, Darcy não lhe ofertou muito mais do que um arquear de sobrancelhas, que rapidamente fora substituída pela mais neutra das expressões. Isso só servira para fazer Kate arder ainda mais em cólera, pois se dera conta de que a indiferença daquele homem lhe feriu mais o ego do que suas “observações” anteriores.