Era cômico como Longbourn, uma propriedade outrora tão desmerecida por Lorde Anthony Bridgerton, se tornara do dia para a noite alvo de todo tipo de lisonja deste mesmo cavalheiro: visitas durante o chá da tarde, presentes diários para os membros da família, e em especial para a Senhorita Elizabeth Bennet.
Lizzy, que já tinha ciência de que tudo aquilo não passava de tramoias do visconde para lhe atazanar ainda mais o juízo, fazia seu melhor para ignorar estes rompantes inconvenientes. Por outro lado, a Senhora Bennet, que raramente se demonstrou capaz de enxergar o visconde como algo além de um ótimo partido, via seus pobres nervos a traindo toda vez que um novo mimo chegava a sua casa.
Entretanto, nada nesta semana de bajulações suspeitas pareceu lhe brilhar mais os olhos do que o momento em que Anthony decidira finalmente abrir as portas de Aubrey Hall para a família de Longbourn, convidando-os a passarem o sábado inteiro lá.
— Ele até estendeu o convite ao sr. Bingley e à Jane em Netherfield! — a mulher anunciara aos pulinhos, abraçando o envelope no qual constavam todas estas informações como se lhe fosse a coisa mais preciosa no mundo.
Para ilustrar seu descontentamento, Lizzy nem ao menos pensara uma segunda vez antes de fechar seu livro com força, provocando um baque surdo que silenciou todos na sala. Seu pai, que com o tempo passara a concordar com ela sobre suas impressões em relação ao visconde, se mexera desconfortavelmente na cadeira, antes de dobrar o jornal, pronto para dar um basta aquele circo.
— E quem lhe disse que aceitaremos tal convite?! — inquiriu em alto e bom som, evidenciando o amargor em sua voz.
— O senhor não ousaria fazer tremenda desfeita a um cavalheiro tão nobre quanto o visconde! — Senhora Bennet retrucou, deixando claro que nem em seus piores pesadelos permitiria tal coisa.
— Francamente, mamãe, a senhora não consegue ver que esse visconde está nos fazendo de marionetes?! A facilidade com que nos virava as costas não te faz estranhar a sua súbita mudança de postura?! — Elizabeth a censurou, não suportando mais o cinismo com que sua mãe parecia ignorar todas aquelas atitudes suspeitas.
— Cegos, todos vocês! Não conseguem enxergar que esta é uma oportunidade como nenhuma outra?! — a mulher lhes retrucou, se debulhando em lágrimas escandalosas, obrigando Mary, que estava do seu lado, a proteger os ouvidos diante de tão lamentável cena.
Lizzy, que geralmente não tinha forças para prosseguir em suas repreendas quando arrancava algum choro de sua mãe, apenas rolara os olhos, escondendo a face com ambas as mãos enquanto se perguntava o que teria feito para receber tal judiação. Felizmente, os anos a mais de convivência haviam feito do seu pai um experto na arte de ignorar as lamúrias de Senhora Bennet, o que lhes assegurou uma carta para Aubrey Hall, contendo educadamente uma recusa a tal convite.
Nem é necessário dizer que a Senhora Bennet nada falara com nenhum de seus familiares pela semana seguinte, salvo algumas exceções em que atacara indiretamente seu esposo e filha mais velha com comentários mal educados sobre o que teria acarretado sua “falta de ânimo” nos últimos dias. O clima se tensionara de tal forma, que foi afim de dar um basta aquilo tudo que Elizabeth decidira mandar mais uma carta a Aubrey, desta vez diretamente endereçada ao Visconde Bridgerton, convidando-o a jantar com a sua família se assim o desejasse.
Fora difícil ter de se explicar ao seu pai, após ter recebido uma carta em afirmativa, mas no fim ambos concordaram que se ver o lorde fosse apaziguar um pouco as coisas com a Senhora Bennet, que assim fosse feita a sua vontade.
— Troque de vestido, Lizzy! Não será com este que jantará com o visconde esta noite! — sua mãe a censurou quando a viu tirar um de seus modelitos do armário, ainda chateada com a moça, mas visivelmente mais humorada.
A verdade era que tudo era muito injusto: pela sua mãe já tivera de aturar as investidas de Senhor Collins; fingir não enxergar a forma como tão insistentemente ela jogara Jane a Bingley; e posteriormente, fizera vista grossa à insensatez de Lydia em fugir com Wickham única e exclusivamente por esta ter alcançado a dádiva do casamento...
Acontece que, ao contrário destas três situações, Lorde Anthony não parecia propenso a nada além de lhe irritar o espírito. Talvez, com um pouco de sorte, este jantar fosse ajudar sua mãe a entender que nenhum pedido de casamento a suas filhas sairia daquele homem.
— Ele chegou! — a Senhora Bennet gritou ao vislumbrar a silhueta da carruagem na estrada.
Mirando-se uma última vez no espelho, Elizabeth amaldiçoou sua decisão em tê-lo trazido, e por fim se conformou em descer as escadas para recepcionar o homem junto ao restante da família.
— Lorde Anthony, que prazer receber-te mais uma vez em nossa residência! Por favor, entre que em poucos instantes a mesa estará posta com o jantar! — a matriarca de Longbourn assegurou, apontando para o interior da casa, praticamente o intimando a entrar.
Elizabeth tentou evitar que seus olhos se cruzassem em tal momento, mas percebeu que agira tarde demais, já que o primeiro instinto do lorde fora mirar bem em sua direção. Sentiu seus lábios se crisparem em vergonha, mas ao se lembrar de que era ela a estar em sua própria casa, e não o contrário, se felicitara ao sentir parte de sua confiança sendo revigorada.
— Lorde Bridgerton, permita-me acompanhá-lo enquanto isto. — Lizzy sentira as palavras pesarem em seus ombros, embora um sorriso ilustrasse a sua face.
Sem nem mesmo fazer alguma objeção, Anthony ofertara o seu braço para que a moça encobrisse com o seu, para assim seguirem casa adentro, tomando uma dianteira em relação aos demais que os seguiam logo atrás.
— Gostaria de poder conversar a sós com o senhor. — Elizabeth sussurrara, fazendo o seu melhor para soar discreta, ainda que tivesse certeza de que estavam sendo observados. — Embora não haja muita oportunidade para tal, eu definitivamente preciso.
— E como espera conseguir tal privacidade? Estou aberto a sugestões. — ele retrucou no mesmo tom, visivelmente envaidecido com a proposta dela.
— Meryton. Irei visitar meus tios na cidade, e com sorte, teremos algum tempo para conversarmos longe das vistas de todos. — pontuou, e com um breve aceno, desprendeu-se do aperto dele, se sentando numa das poltronas da dala de estar enquanto que com um gesto de seu braço, apontou para os demais locais onde ele poderia se sentar.
Tentou compulsivamente não pensar no fato daquele ser o segundo convite, em um curtíssimo espaço de tempo, que havia feito a Anthony, e tentou mais ainda encenar naturalidade ao longo da noite: para sua sorte, o visconde não pareceu tentado a fazer muito mais do que agradecer os elogios que eventualmente recebeu da senhora Bennet, ou comentar sobre os últimos movimentos de seus irmãos, não se atrevendo a mencionar o convite a Aubrey Hall e a recusa do mesmo na semana anterior.
Elizabeth sentiu-se grata por tal cortesia, mas sabia que teria de por um basta naquilo. Com sorte, seu encontro no dia seguinte seria promissor.
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Desprezo & Devoção
RomanceDes.pre.zo: Falta de estima, repulsa. De.vo.ção: Afeto, dedicação. Como palavras tão distintas em significados poderiam ser despertadas simultaneamente em presença de um certo alguém? Nem Elizabeth Bennet, tampouco o Visconde Anthony Bridgerto...