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A NOVA SOBRIEDADE, ao estilo dos anos noventa, nascera em San Francisco, mas ainda não contagiara toda a população. Ainda havia prósperos clubes noturnos na cidade, em que os frequentadores se inebriavam legalmente com álcool e música e ilegalmente com uma ampla variedade de drogas, adquiridas nas ruas e consumidas nos banheiros. South of Market, SOMA no jargão da noite, era agora a área em que se concentravam as casas noturnas mais quentes. A South of Market Street fora antes um lugar abandonado, com armazéns quase ruindo e instalações industriais enferrujadas. Mas já não era mais assim.

Não demorara muito para que alguém percebesse que a SOMA era a maior área de terrenos baratos nas proximidades do centro de San Francisco. A mudança fora rápida, embora não total, e o lugar agora abrigava dezenas de casas noturnas, restaurantes, bares e butiques.
Em toda San Francisco, os clubes mais conhecidos e mais em voga eram o DV8, Slims, The Warfield (num antigo teatro), e o Oasis, que se gabava de ter uma piscina.

O gay chique ia ao Trocadero Transfer.
Os gays e os heteros se encontravam na casa de Johnny, o Altar. Como o Limelight em Nova York, o Altar situava-se numa igreja desconsagrada. Um disc-jockey escolhia as músicas numa cabine no lugar em que os devotos outrora recebiam a comunhão, enquanto mil dançarinos se agitavam à sua frente.
Havia uma presença quase física na música ensurdecedora. Envolveu Lisa quando ela passou pela porta da frente, entrando no clube. O clamor parecia uma ventania, e ela teve a sensação de que teria de avançar à força contra aquele som. O ar estava impregnado pelo cheiro de suor e fumaça, misturado com perfume. Os dançarinos na pista se sacudiam ao ritmo da música, alguns com expressões sombrias, ansiosos em se abandonarem por completo à noite.

Dançavam como se estivessem determinados a se divertirem.
As pessoas no bar bebiam para se embriagarem. Não havia conversa a música era alta demais para isso e se você quisesse falar com alguém, teria de encostar a boca em seu ouvido e berrar.
Lisa conseguiu obter uma dose de Jack Daniel's com gelo, num copo de plástico, pouco antes de ficar rouca de tanto berrar. Depois, circulou a pista de dança, observando a massa de corpos, à procura de Jennie. Era estonteante olhar para aquela multidão, que parecia uma gigantesca hidra de incontáveis cabeças. E de repente, no meio da multidão, ela divisou um rosto familiar. Um rosto bonito, que demorou um momento para situar. Era Roxy.

Ela dançava com outra mulher, os braços envolvendo a cintura da parceira. Roxy inclinou-se e disse alguma coisa à garota, que riu e acenou com a cabeça. De braços dados, elas deixaram a pista de dança, esgueirando-se entre os corpos em movimento. Lisa foi atrás.
As duas seguiram para o banheiro dos homens, embora no Altar o termo "banheiro dos homens" não fosse tão exclusivo quanto se podia imaginar. O banheiro dos homens ficava no que fora outrora a sacristia, e não era absolutamente restrito aos homens.

Era escuro, o ar impregnado pelos cheiros de fumaça de tabaco e várias outras substâncias controladas e Lisa sentiu o ar fétido penetrar em seus pulmões. Conhecia todos os cheiros: crack, haxixe, maconha, e também cocaína, distribuída em um dos reservados. Havia homens e mulheres agrupados nas sombras espectrais, inclinando-se sobre as diversas drogas oferecidas. Havia frascos de vidro de crack e outras embalagens descartadas por todo o chão, estalando como geada sob seus pés, quando Lisa avançou pela semi-escuridão.
Roxy bateu na porta de um dos reservados, que foi aberta no mesmo instante. Jennie estava ali. Tinha os cabelos presos no alto da cabeça, com uma maquilagem tão carregada quanto a de Roxy. Na pouca claridade, parecia mais jovem do que os seus trinta anos. Se não soubesse com certeza, Lisa a teria tomado por uma adolescente, como a companheira de Roxy. Uma garota de dezenove anos, ardente, querendo desfrutar o máximo de sensações logo no início da vida adulta.

Jennie não se encontrava sozinha no reservado. Seus braços enlaçavam um preto alto. Ele estava sem camisa, um homem enorme, os músculos intumescidos, o tronco esculpido em carne dura.
Segurava um tubo de vidro com cocaína sob o nariz de Jennie. Ela aspirou, sôfrega. Havia uma crosta de cocaína na borda do frasco, e ela projetou a língua para lamber tudo.
Avistou Lisa e sorriu, ao mesmo tempo em que sussurrava alguma coisa para seu corpulento companheiro. Ele seguiu a direção de seu olhar, fitou Lisa e sorriu, com uma expressão divertida e desdenhosa, depois fechou a porta.
Ele podia esperar. Lisa vagueou pelo clube, fazendo o tempo passar, inspecionando tudo. Sentiu-se ao mesmo tempo repugnada e fascinada pela ação. Nos cantos escuros, vultos indefinidos se beijavam e acariciavam, homens com homens, mulheres com mulheres, uma mistura de sexos nos recessos do Altar.

A música continuava a vibrar, agitando o ar pesado. A cavalgada na pista de dança nunca perdia uma nota. Alguma coisa entre o tormento e a bem-aventurança se irradiava dos rostos suados. A noite, a cidade, o mundo inteiro, tudo fora comprimido naquele único espaço eletrizante. Não havia passado; parecia não haver a menor possibilidade de um amanhã. Havia apenas o aqui e agora. O presente e o futuro eram medidos pelos segundos entre os parceiros na dança, nos minutos entre os drinques e as doses de cocaína. A música passava de repente de um ritmo para outro, mas a cadência febril não se atenuava por um instante sequer.
E, depois, Lisa tornou a vê-la. Ficou olhando, enquanto ela se movimentava ao som da música. Dançava com Roxy e o preto musculoso. Estava entre os dois, o foco de ambos. O desejo deles, assim como a música, parecia preenchê-la, impulsionando seus movimentos frenéticos.
Jennie virou-se e avistou-a, continuou a dançar, olhando-a observá-la, com olhos famintos e febris. Provocava-a, espremendo-se entre os corpos de seus dois parceiros na dança. Eles a comprimiam entre seus corpos deslumbrantes, os quadris ondulando no mesmo ritmo.

Ela aceitava a veneração de ambos como algo que lhe era devido, mas seus olhos esquadrinhavam o corpo de Lisa, explorando-a como fizera na primeira vez em que a vira. Balançava entre os parceiros, esfregando-se contra eles, mas oferecendo seu corpo a Lisa.
Ela sentiu uma onda de desejo envolvê-la. Subitamente, toda a atmosfera do clube penetrou em suas veias, como um vírus, e também foi arrebatada pelo hedonismo puro e pagão do lugar e seus frequentadores. Entrou na pista de dança, não era mais uma observadora, mas uma participante. Quase em transe, aproximou-se de Jennie, parou na sua frente, devorando-a com os olhos. A música vibrava e pulsava.
Jennie parou de dançar, fitando-a nos olhos, desafiando-a à sua maneira. E foi um desafio que Lisa aceitou. Estendeu as mãos para ela, recolheu-a em seus braços. E ela se fundiu de encontro a seu corpo, beijando-a com ardor.

Lisa agarrou-a pela nuca, retribuindo o beijo, a língua se aprofundando pela boca de Jennie. Os corpos se comprimiam, com toda força, como se estivessem coladas. As mãos de Lisa desceram agora para as nádegas firmes, puxando-a ainda mais, os quadris balançando no mesmo ritmo. Ela enfiou as mãos por baixo da saia, deslizando ardentes por sua pele nua. Ela beijou-a no ouvido, sussurrou:

-Vamos embora.

Deixaram Roxy na pista de dança, observando-as se afastarem, com uma fúria fria nos olhos azuis gelados.

Atração Fatal | JENLISA G!POnde histórias criam vida. Descubra agora