CAPÍTULO 3 - KILLIAN

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- Killiaaaannnn, acorda seu vagabundo. Se você não levantar dessa cama agora vou jogar um balde de água fria em você!

Acordar com os berros de Dona Márcia é sempre um encanto. Ela é tão gentil e me trata com tanto amor. Não poderia ter escolhido uma mãe melhor. 

Olho para o despertador ao lado da cama e vejo que são nove horas da manhã, normalmente costumo levantar mais cedo, mas por conta da noite de ontem me entreguei ao cansaço. 

Adoro curtir uma boa festa, beber e pegar todas, e claro que a noite passada não foi diferente. Meu primo sabe organizar festas que são do caralho. Nem lembro direito o que aconteceu, acho que é melhor assim.

Logo que entro na cozinha percebo que minha mãe está vidrada na televisão como sempre. Nunca conheci ninguém que gostasse tanto de ver uma notícia como a Dona Márcia. Ela senta no sofá e paralisa como uma estátua. Nesses momentos, falar com ela é a mesma coisa que tentar falar com as paredes, sou ignorado pelos dois. 

Fico em silêncio para prestar atenção na reportagem da vez.

“É com grande pesar que comunicamos o aniversário de falecimento da filha do prefeito Muniz. Com apenas 16 anos, a jovem deixou este mundo em um trágico acidente ocorrido há três anos atrás que assolou sua família...”. 

A angústia sobe por meu corpo. Não consigo escutar mais nada. Isso é demais para mim. Morte não é um assunto que eu lido muito bem. Desligo a televisão pegando minha mãe de surpresa.

- Ei! Filho da mãe, eu estava assistindo!

- A senhora tem que parar de ficar assistindo esse tipo de coisa, não tem como fazer bem. Isso só a deixa triste e chorosa.

- E daí se eu quero chorar, eu faço o que eu quiser. Me respeita menino, eu ainda sou sua mãe.

- Tô ligado mãe, você sabe que não gosto de vê-la desanimada.

- Eu sei, mas é tão triste o que aconteceu com essa menina que eu não consigo me segurar – responde, falhando em segurar as lágrimas que escorrem pelo seu rosto.

Balanço a cabeça dando um leve riso. Dona Márcia é uma figura.

Nunca vi uma pessoa gostar tanto de ver coisas tristes. Minha mãe só tem interesse em tragédia, morte ou câncer. Vai entender essa mulher.

Depois de um café bem reforçado e da boa e velha aspirina, saio de casa e vou em direção ao meu trabalho. Quem me dera se o dinheiro caísse do céu, metade dos meus problemas estariam resolvidos. Infelizmente essa não é a minha realidade. 

Hoje em dia a minha vida é completamente diferente do que eu imaginei que seria a três anos atrás. Se alguém me dissesse que esse era meu futuro e que o que aconteceu no passado iria mesmo acontecer, eu não teria acreditado, teria até dado risada. Porém agora, eu realmente gostaria que alguém tivesse me alertado sobre os perrengues que tive de enfrentar.

Mas nada disso importa mais, preciso pensar no meu futuro e em como vou me vingar daquele que destruiu a minha vida e da minha mãe também. Ele mexeu com o cara errado e agora vai pagar por isso.

***

Assim que chego à Mecânica dos Rodrigues um sorriso surge em meu rosto, tenho muito a agradecer a meu tio Jorge, graças a ele tive uma segunda chance na vida, não sei o que faria se meu tio não tivesse me oferecido o emprego.

Paro de pensar nesse assunto e tento me concentrar no trabalho. Sempre gostei muito de mecânica automotiva, se minha realidade fosse outra, provavelmente faria um curso técnico na área e, quem sabe no futuro, abriria minha própria mecânica. No entanto, infelizmente às vezes as coisas não são como o esperado. Vida de merda.

Asas da FortalezaOnde histórias criam vida. Descubra agora