Capítulo 19 - Admiração

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Ao horizonte do reino, uma grande carapaça de lama gosmenta rastejou, chegando próximo de um edifício - esverdeado pelo excesso de musgo - gótico e empoeirado. A gosma escalou a parede por um instante e desprendeu-se dela, cuspindo para frente o monge que salvara o Deus da Destruição daquela emboscada que poderia ter sido fatal.

O monge rolou metros a frente e ficou de cara com o solo úmido. Quando se levantou, revelou olhos cansados com olheiras profundas. O cabelo era curtíssimo; preto e reluzente sob a luz das lamparinas da rua. Ele vestia um manto laranja; as mangas largas cobriam as mãos; um pano estava enrolado no pescoço e possuía uma cicatriz no lábio superior, que se seguia até uma das narinas. Íris castanhas-esverdeadas - tocadas pelos deuses - brilharam e tornaram, os olhos antes vazios, em encantados pela criatura que se formava em sua frente.

A camada viscosa e amarronzada cobria o rosto do ser que era formado, grudado àquelas paredes tão sujas. O olho humano direito - verde atômico - encontrou-se com os olhos abertos do monge. Irritado, a divindade da podridão, desferiu um soco na parede ao seu lado, explodindo uma bomba de lama - os resquícios pingaram no solo.

- Ele estaria morto! Você tem noção do que fez, monge? - a distorcida voz aumentava e afinava-se com o aparecimento do ódio em seu coração.

- É a primeira vez... É a primeira vez que vejo uma divindade na minha frente. Que impressionante - contemplou em todas suas palavras o impuro deus, que surpreso, porém não receptivo ao sentimento humano, levantou o indicador e o dedo do meio para cima, bruscamente. - Que tipo de influência no mundo você possuí?

Dos tijolos do solo, larvas brancas imergiram agressivamente para fora. A velocidade daquela horda assustou o monge, que deu um salto para trás. As larvas lançaram-se nele como balas. Uma delas iria passar ao lado de seu rosto, entretanto, fora segurada pelo mesmo antes que escapasse de seu campo de visão. Consequentemente, a velocidade da larva impulsionou o corpo do monge para cima, o derrubando no chão em seguida. Quando no apoio do próprio joelho, olhou para a própria mão fechada, espremendo a larva com toda sua força enquanto ela se debatia. A observação cruel da dor da larva perpetuou-se por segundos; uma análise da tortura e tormento daquele pequeno ser. Ele manteve os olhos medonhos e fixos naquela criatura frágil, até que toda a vida dela se esvaísse. A horda estava quase próxima ao monge. Quando a larva deu seu último suspiro, ela transmutou-se e tornou-se esterco molhado em sua mão. O monge lembrou-se de seus momentos como um humilde pescador, onde observou a vida frágil de perto e questionava-se sua composição ao nível molecular. Nível espiritual, cósmico, mágico e... alquímico.

Várias formas de vida criadas a partir de excrementos de outros seres que já passaram por aquelas terras. A transmutação divina era algo sensacional e extremamente intrigante para ele. Mas, questionava-se no observar do mar, há dias atrás, se a vida humana possuía algum valor para o mundo e para as divindades. Havia alguém olhando por eles? O que um mero pescador, submisso aos seus superiores - que já não residiam mais entre os vivos - poderia fazer para mudar o mundo que sua capitã tentou proteger? Havia coisas que eram inexplicáveis e ele não sabia ao certo como as estudar. Sem um professor, como desbravaria o mundo cruel e sua natureza temível? Foi então que um monge chegou por trás desse pescador, colocando a mão sobre seu ombro. O pescador encarava um veleiro pequeno, na costa; o sol morria no horizonte; seus olhos eram banhados pela luz do entardecer.

- Este é nosso paquete? - falou o monge com ironia.

- Me perdoe; queria poder fazer mais por todos vocês - o olhar do pescador se entristeceu. - É tudo que tenho.

- Estou brincando, homem. Será o suficiente - disse, sorrindo para o veleiro. Porém, quando olhou para o pescador, viu a expressão incomodada dele, e questionou-o: - Por que esta cara, fisgador?

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