Capítulo 38

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Eu amaldiçoo aquele dia fatídico em que nossos caminhos se cruzaram. Desde o primeiro instante, ficou claro que eu e ele estávamos destinados a nos odiar. Ele é um ser desprezível, a personificação de tudo que abomino. Mas por que isso ainda me preocupa tanto? Ly está comigo e nunca sequer o conheceu. Ela prometeu, com toda a sinceridade, manter distância do meu pedido. Sei que ela jamais trairia minha confiança. Então, por que a simples existência dele ainda me perturba tanto? Será que é o medo de que sua sombra encontre uma brecha para se insinuar em nossa vida? Ou talvez seja o ódio que se recusa a dissipar, corroendo minha paz, mesmo sem uma ameaça real.

Quase dez anos de vida e nunca experimentei algo assim: essa ansiedade sufocante, essa agonia incessante, esse medo paralisante. Nas últimas semanas, dormir se tornou uma tarefa impossível. Tentei de tudo para me distrair: chá de camomila, músicas suaves, até exercícios de respiração. Nada parece funcionar. O sono foge de mim, deixando-me à mercê dos meus pensamentos perturbadores. A única vez que consigo encontrar um pouco de paz é quando estou com Ly. Nos braços dela, a inquietação diminui, e consigo até cochilar, sentindo um raro alívio dessa tortura emocional.

Tenho me afundado em remédios, bebidas energéticas, café e refrigerantes, como se esses elixires modernos pudessem apagar o caos que sinto por dentro. Minha rotina virou uma maratona de exercícios físicos exaustivos; corro até o último horário de funcionamento da academia e, depois, volto correndo para casa, como se o ritmo frenético pudesse exaurir o tormento mental que me consome. Tudo isso é uma tentativa desesperada de provocar um colapso cerebral, na esperança de encontrar algum tipo de estabilidade. Mas, por mais que eu me esforce, nada parece funcionar.

Porém, hoje, depois que recebi a mensagem do Levi confirmando nosso encontro, algo em mim mudou. Saí da academia mais cedo, os músculos ainda queimando pelo esforço, mas minha mente já antecipava a conversa que teríamos. Como de costume, fiz uma pequena corrida até em casa, as ruas familiares passando em um borrão, mas hoje, o destino tinha outros planos para mim.

Ao virar uma esquina menos movimentada, deparei-me com um grupo de pessoas, conversando animadamente sob a luz tênue de um poste. Não eram suas vozes que me chamaram a atenção, mas sim o cheiro pungente que pairava no ar, um aroma agridoce e inebriante. Era um cheiro familiar, mas ao mesmo tempo distante, como um eco de uma vida que pensei ter deixado para trás. O odor do cigarro, misturado com algo mais forte, talvez um toque de ervas, invadiu minhas narinas e trouxe consigo uma onda de nostalgia e desejo reprimido.

Em todos esses anos, nunca senti a mínima vontade de colocar um cigarro na boca. Lutei para manter minha vida limpa, longe dos vícios que um dia ameaçaram me consumir. Mas naquele momento, o simples cheiro parecia me instigar, despertando uma ânsia que eu acreditava estar morta. Como poderia uma memória de uma vida passada fazer meu cérebro se importar com o narcótico?

Meus passos vacilaram, o coração acelerando não pela corrida, mas pela tentação. Olhei para o grupo novamente, uma mistura de jovens e adultos, rostos desconhecidos, mas cada um imerso em seu próprio mundo de prazer fugaz. Sentia meu corpo reagir de forma quase automática, músculos tensionando, mente dividida entre o desejo e a repulsa. A luta interna era intensa, cada fibra do meu ser clamando por uma decisão que pudesse saciar ou destruir.

Lembrei-me de Ly, sua presença reconfortante, o porto seguro em meio ao caos. Pensei em seu sorriso, em como ela jamais compreenderia essa batalha secreta que travava. Respirei fundo, tentando afastar a névoa de tentação que me envolvia. Continuei correndo, cada passo um esforço consciente para me distanciar daquele cheiro, daquela memória que tentava me arrastar para um abismo que jurei nunca mais encarar.

Balancei a cabeça, tentando espantar essa ideia, e voltei a correr, mas a cada passo que eu dava, ficava mais difícil de resistir. Parei no primeiro mercadinho de beira de estrada que encontrei, querendo pegar uma água ou talvez algo mais forte. Porém, no balcão de entrada, vi a prateleira com diversos maços de cigarro. Impulsivamente, comprei o primeiro que vi, sem me importar com o que o vendedor dizia. Apresentei meu documento de identidade e saí de lá o mais rápido que pude.

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⏰ Última atualização: Jul 27 ⏰

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