Os dias correram em Severnoye. Neve e lama, comida ruim e frio avassalador que forçava-me a passar as primeiras horas da manhã, garantindo que Veronika não congelasse.
Eu pude consertar o aquecedor a menos de algumas horas, mas o objeto velho e obsoleto já não esquenta nem mesmo minhas meias.
Não nos movemos mais depois do risco que corremos naquela noite, pois Veronika está genuinamente assustada com a proporção que as coisas estão tomando, e como tudo escalonou de uma simples noite de música e conversas para eu e Veronika em meio à um atentado terrorista doméstico de uma milícia paramilitar no meio da noite, ela não aceitava mais que talvez fosse o caminho certo a seguir. Não a deixo entrar em pânico, e ela não me permite sair livremente para desenvolver a investigação de campo. Estamos engalfinhados nesse muquifo apenas lendo jornais a três dias.
Liguei para o Tenente na mesma noite em que vi Makarov para comunicar o ocorrido, depois de obrigar Veronika à traduzir cada palavra do russo insano. Eu contei sobre as intenções dele, e que tem meios para cumpri-las. Falei com sinceridade, sobre todas as coisas horríveis que podem acontecer se a Rússia achar que os atentados não são domésticos, e sim internacionais. E sim estadunidenses, para ser mais exato.
Nenhuma notícia sobre o ataque à Gazprom, ou em lugar algum, no máximo, uma menção à um suposto vazamento de gás nas redondezas e vandalismo. Isso me exaspera, pois algo naquela proporção deveria ser manchete no país inteiro, o que me leva a deduzir que impressa tem sido no mínimo cooptada, e no pior dos cenários, controlada para manter uma aparente normalidade enquanto o estado russo mobiliza uma resposta.
É noite, e o tédio da imobilidade e a ansia de deter esse monstro crescendo nos esgotos de Moscou me consome, ao ponto de esquecer a alegria que senti ao descobrir o nome de madame Vronnik. Ainda não a comunicamos, sabemos onde mora e como nos aproximar, mas Veronika simplesmente não aceita a ideia de que meu trabalho é servir ao Estado austríaco com a minha própria vida se for preciso.
Diz que é besteira morrer por um país capitalista.
Estamos mergulhados nesse embate como em uma piscina de paredes amarelas, num quarto cheirando à mofo e madeira velha, num inverno seco. Uma musiquinha russa cantarola baixa dos autofalantes do celular de Veronika e eu a reconheço de longe. Tudo o que há por cima do assoalho de madeira do quarto é estoicismo, vazio e idealismo, ausência, silêncio, olhares mortos que eu lanço para ela da cadeira onde estou sentado com os pés apoiados na borda da cama. As costas debruçadas sobre o encosto desconfortável.
Vel, jogada no colchão velho e sujo, dedilha as costuras da colcha e encara a parede sem piscar, mexendo os lábios roxos - sujos da sopa de beterraba gelada e intragável que comemos - silenciosamente nas formas da letra da canção. O aquecedor faz um barulho fúnebre e quase esquecido por nós, e tudo parece meio deprimente.
"Noite escura, apenas balas assobiam pela estepe
Apenas o vento zumbe nos fios, as estrelas cintilam fracamente
Na noite escura, minha amada, eu sei que você não dorme
E perto do berço do bebê, você secretamente enxuga uma lágrima
Como eu amo a profundidade de seus olhos ternos
Como eu quero pressionar meus lábios neles agora
Essa noite escura nos separa, meu amor"
Desvio meus olhos lentos para a lampada amarelada acima de nossas cabeças, que tremeluz no farfalhar da eletricidade precária desta casa velha. Olho pela janela e vejo flocos de neve despencando do céu na rua cintilante e sombria. Os russos tem motivos para serem suicidas, alcoólatras e depressivos profissionais.
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edelweiss | a könig storie.
FanfictionKönig não podia escapar. O passado sulfúreo que emana dos muros e que flutua nas ruas de Viena o perseguiria para sempre. A luz amarela dos postes antigos que resplandecem nas calçadas molhadas, e evocavam a necessidade precípua que todo austríaco c...