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I was never there.

O fluxo imaginativo me suga para dentro de si, me levando para um lugar de memória falsa. Uma recordação que não existia.

— Você tá com medo dessa viagem? — ela pergunta num sussurro doce, meio sorrindo.

— Não. Não por mim, mas por todos — respondo em sussurro, encarando os olhos castanhos cor de mel. Quentes, ardendo contra o sol.

Tudo é turvo, embaçado, imagens soltas em fragmentos deturpados. Esquisito e agradável ao mesmo tempo, não fosse pela dúvida constante se eu estava despregado da realidade ou delirando em estado de deriva entre sono e consciência.

— Sentir medo pelos outros é a maior demonstração de empatia do mundo — ela revela maravilhada. Me concentro em seu sorriso e no brilho dos seus olhos bondosos, amorosos, quase inocentes. Talvez se ela tivesse me olhado assim desde o início... Sem o bom humor de uma mera amizade, sem a distância respeitosa de interesse limitado.

Talvez se eu tivesse conseguido capturar seu fascínio desde o início... Se não tivesse sido tão fraco, ou se não estivesse vivendo preso ao teatrinho obscuro e cheio de teias de aranha da minha mente, onde eu atuava compulsivamente as cenas do meu passado em Viena.

Aqui, me vejo em terceira pessoa. Não uso máscara, mas uso meu equipamento. Meus olhos estão mais azuis do que os espelhos jamais me mostraram, e ela repousa deitada em mim como uma ninfa, usando seu vestido roxo que lhe subia as coxas. Mas minhas mãos não a tocam.

Tenho medo do que fariam se a tocassem.

— Você sempre fez isso — pisco lentamente, me sentindo muito relaxado em uma estranha paz. Não sinto o cansaço de antes — E-eu nunca... Tinha me dado conta disso, até você me ensinar —

— Você é um menino muito bom — ela sorri, ainda mais iluminada, seus lábios rosados sempre abertos — Sempre cuidando de tudo, sabia? —

— Eu queria ter cuidado de você — murmuro.

— König... Você fez o melhor que podia. Eu estou bem, e estou em casa.

Suas íris tremeluzem no calor de veraneio. Sinto as ondas mormacentas subindo e vibrando, distorcendo o horizonte fictício da visão recortada que tenho, é como assistir um filme com o zoom no máximo. Só enxergo detalhes, apenas as minúcias. Plantas farfalham ao longe, cheiro de limão ardido na brisa quente e poeirenta. Olhos de raposa.

— Talvez se eu tivesse evitado tudo aquilo, teria tido uma chance de mudar. Eu não sei exatamente o que eu quero, mas... Por que eu não consigo parar de pensar nisso?

— Você ainda pode mudar... Você ainda tem chance — diz, amável, algo que me angustia profundamente.

— Eu acho que você era a minha chance, Alma — confesso, meu coração se estilhaça em mil pedaços.

Tudo se parte, o barulho de vidro quebrando.

Acordo num súbito sufocante, como quem sai do fundo de um rio gelado depois de quase se afogar. O peso em meu peito se alivia e a dor em meu corpo berra me fazendo perceber o quão travado estou. Só então percebo, o peso em meu peito é a cabeça de Veronika, escorada sobre mim no minúsculo banco da cabina do trem. Estamos dormindo tortos e encolhidos numa posição desconfortável, e por sorte ela não acorda com o meu solavanco. Respiro fundo, sinto o suor em meu corpo.

Sonhei com ela, mas sei que não tenho esse direito.

Sonhei com ela, sabendo que Alma talvez fosse a única coisa na terra forte o suficiente para arrancar Veronika, esse vergalhão russo maldito atravessado no meu peito, tão épico e cruel.

edelweiss | a könig storie.Onde histórias criam vida. Descubra agora