— Uma informante.
Foi a única coisa que König conseguiu proferir, com uma certa petulância escondida em sua voz rouca, por baixo da capa arranhada daquele sotaque alemão. A garota loira volta-se na minha direção como um bicho acoado, mas sua face não esboça qualquer reação. Tem traços sóbrios, extremamente sérios, e quase impenetraveis. Ambos carregados de um desgosto em comum, talvez por terem me encontrado mais cedo do que planejavam. König e... essa pequena ameaça a missão, de bochechas rosas e olhos oceânicos.
Eu pestanejo, lançando-lhe uma breve inspeção. Surpreendentemente, não fica calada. Nem mesmo permite que o silêncio se estenda ao ponto de ser inquebrável.
— E quem é você? — pergunta, num quase sussurro. Sotaque diferente. Seus "R's" puxados, arrastados na ponta da língua, os traços meio andrógenos, a cor de sua pele e a prepotência. Tudo me cheira à Rússia.
— Simon Riley — respondo com desinteresse, voltando-me para König, que apenas assiste, quase que conformado e impaciente com aquele momento.
A garota volta a falar.
— Tenente do Rex... — ela constata devagar, me levando à crer que Rex é König, e que tem um relacionamento íntimo o suficiente para chamá-lo por apelidos.
Eu suspiro, e me volto para o rapaz, ele não veste equipamento militar algum, e a balaclava está solta sob sua cabeça. Não sei qual o quanto a menina sabe, mas pretendo descobrir. Pestanejo, meu polegar destrava meu fuzil.
— Achei que tínhamos dado por encerrado o costume envolver civis em missões — eu falo como uma fronta direta ao sargento, lhe dando um olhar rígido e claro. Procurando motivos para não esfolar König vivo aqui mesmo e afogar essa menina na valeta que corre ao nosso lado. Ratos passando pelo chão sujo ao nosso lado, num impasse esquisito.
Todos nos esperam no fim do túnel. Mas aquela voz fina e petulante, cheia de uma arrogância russa soa novamente, sem medo ou respeito, e carregada de ironia. Ela até mesmo dá um passo a frente, mas König ergue a mão e a interrompe, mas ainda assim não se cala. Eu averiguo aquela figura de cima à baixo mais uma vez.
Fraca e sedentária, pernas molengas e tornozelos tortos, pés para dentro.
— Envia um austríaco para o coração da Rússia e espera resultados? Não é como espanhol e português, ou línguas provindas do latim — diz revirando os olhos e mexendo os ombros com deboche. Suspiro profundamente pela milésima vez, obrigando-me a tecer conversa com essa menina.
— Até onde sei, o Furtwängler fala russo — falo de forma sugestiva, alternando meu olhar entre ambos.
— Ensinado por mim. Nascida aqui.
Agora tudo fica perfeitamente claro. Ou quase. Ela é uma qualquer-coisa-romântica de König, provavelmente de seu passado, talvez da juventude.
— Eu vejo — digo, contendo meu próprio sarcasmo e ironia atrás da seriedade do assunto, giro nos calcanhares me direcionando de volta para onde está o resto da equipe — Você vai ser enviada de volta à Áustria no próximo trem — menciono, caminhando de volta para o escuro. Mas a menina insiste.
— Quantos idiomas você domina? — a voz soa apressada atrás de mim, e por algum motivo sei que König tenta fazê-la se calar, mas ela não o obedece. Sequer viro na direção deles.
— Não vem ao caso — respondo.
Ouço os passos apressados acompanhando-me, e a voz ficando cada vez mais alta, ressoando junto aos pingos de água fétida que caem pelos cantos. Sapos e insetos também transitam por ali, embora eu não os veja.
— Acredito que venha — ela retruca.
— Tenente, ela tem conexões que eu não poderia fazer sozinho. O partido comunista... — desta vez é König que fala.
Sinto uma súbita raiva subir minhas veias, congelo e me viro ali mesmo. Desta vez não falo, grito.
— Sua namorada é do partido comunista?! — eu questiono abismado com tamanha estupidez de um dos meus sargentos mais confiáveis, ironizo essa situação ao máximo — É perfeito, o Makarov também! —
A garota também grita, e me afronta ainda mais. Sei que mal pode distinguir o meu vulto no escuro, mas ouço sua voz chegando perto o suficiente.
— Não, não é. E nem se quisesse voltar a ser — a loira rebate, visivelmente alterada — Ele é um verme que varremos para o submundo, e é lá que está se recriando — argumenta, eu balanço a cabeça em negativa.
— Me perdoe Ms.Vermelha, eu não vou argumentar com uma comunista russa — retruco em tom de deboche, com vontade genuína de empurrá-la no córrego. Contenho meus ânimos, tendo em mente que, na pior das hipóteses, ela é apenas uma louca varrida histérica que teremos que conter e despachar em algum canto da fronteira russa.
O silêncio perdura entre nós três, e eu torno a ir em direção ao resto da equipe, fazer o informe sobre a presença dessa garota arrogante. Mas antes... Algo me faz parar novamente, voltando-me para ela.
— Como se chama?
— Veronika. Veronika Petrovic. Primeira violinista da Orquestra de Viena.
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edelweiss | a könig storie.
FanfictionKönig não podia escapar. O passado sulfúreo que emana dos muros e que flutua nas ruas de Viena o perseguiria para sempre. A luz amarela dos postes antigos que resplandecem nas calçadas molhadas, e evocavam a necessidade precípua que todo austríaco c...