A nevasca que caia a noroeste de Moscou soterrava os pinheiros obscuros na névoa da noite, atravessando as folhas tal qual a mim mesmo. Um mar branco flutuante estabelecido entre o firmamento e o chão, neve agarrada aos meus coturnos táticos numa trilha apressada rumo ao galpão abandonado. A mochila solitária em minhas costas, os fones nos ouvidos, uma balaclava preta aquecendo meu rosto e óculos que impediam os fragmentos gelados de atingirem meus olhos.
Não havia inclinação brusca no terreno, por sorte. Eu podia apenas cortar o vento, enquanto torcia para não encontrar com mais nenhum urso.
Aquilo me lembrava um pouco a infância. Eu ainda odeio neve, assim como odiava quando ela estava nas calçadas do trajeto até a escola, mas aprendi a lidar. Agarro as alças da mochila com as mãos e continuo meu caminho em uma marcha de passos largos, vencendo aos poucos a distância e vendo despontar o teto arredondado de aço do galpão, também encoberto por neve o suficiente para disfarça-lo no meio da floresta. Uma ligação toca em meu fone, e eu prontamente aperto o pequeno botão em meu ouvido.
— Bravo 6, na escuta? — pergunto, falando mais alto para vencer o som da ventania.
— Positivo, a quinhentos metros do pouso — a resposta de Price ecoa em meus ouvidos com o chiado de um rádio velho. Eu ergo os olhos para o céu, procurando no ar o pássaro que os traria até aqui.
Lá está. Uma aeronave preta e de pequeno porte, apenas o suficiente para caber os membros da equipe. A distância se torna menor em segundos, e ele acendo os sinalizadores e os atiro na neve para indicar o espaço entre os pinheiros, me afasto para próximo das árvores. Uma corda é atirada do alto, e logo em seguida todos descem escorregando habilmente por ela, um por um. Soap, Price, Gaz e por último, Ghost Riley.
As sombras obscurecidas da noite se juntam aos contornos avermelhados do sinalizador, iluminando as feições tão familiares. Fuzis no peito, óculos de visão noturna, máscaras, chapéis e cabelos. Estavam todos ali, encarando-me enquanto a neve nos castiga.
Simon dá um passo a frente, esmagando a chama do sinalizador sob sua bota, deixando tudo em escuridão novamente.
— Sargento, assuma a guia do destacamento — ordena, e em meio a ventania eu só posso ouvir sua voz rouca através dos fones de ouvido. O mesmo sotaque terrível. Encaro a figura estática e frígida de Ghost, parado imóvel e firme no meio da nevasca.
— Afirmativo, Tenente — concordo, e avanço em direção ao portão do galpão.
Nós caminhamos e enfrentamos os obstáculos do caminho, sempre atentos aos arredores.
Tudo parecia um cenário absolutamente cinematográfico, e poucas vezes estive tão sob influência do tempo. Quando chegamos ao portão de metal pesado, eu e Ghost o arrastamos para o lado em um ranger metálico horrível das roldanas enferrujadas girando.
Abrimos uma fresta, apenas o suficiente para que todos entrem, e eu seja o último. Arrasto o portão e o fecho novamente, acessando a corrente de vento. O silêncio ali dentro não é total, e há um ruído marrom que paira no ar e soa, de certa forma, relaxante aos ouvidos. O barulho opaco do vento e da neve lá fora.
— Precisamos montar o destacamento e planejar a viagem para Moscou — a voz de Ghost entoa.
Todos se espalham pelo salão enorme, verificando os cantos e detalhes do lugar com cuidado. Tem caixotes de madeira compensada espalhados por aí, estrados de carga, e uma certa quantidade de lixo industrial também.
— Faremos via satélite, tem muitas rotas pouco conhecidas para Moscou saindo aqui dessa região. Podemos trilhar por elas e depois ficar de tocaia no entorno da cidade — Soap diz enquanto caminha entre os caixotes de madeira abandonados no galpão quase vazio, indicando que já tinha estudado o terreno inteiro antes de pôr os pés aqui. Ele está muito bronzeado, e fez a barba.
Me escoro em um dos caixotes e cruzo os braços, especialmente atento à Price e Ghost, que avaliam juntos os arredores com aqueles olhos calmos e analíticos. Nunca pacíficos.
— Pela mata, é uma opção viável — Gaz comenta, somando-se ao Soap.
Eu resisto em negar logo de cara, ou mostrar discordância, mas a realidade é que uma viagem pela floresta seria extremamente arriscada para Veronika, e ainda que fosse absurdo, eu planejava retornar com ela para Moscou para então enviá-la de volta para a Áustria.
MacTavish assente para Gaz e solta um suspiro inspirado.
— Uma trilha com direito a nadar na beira de um rio com salmões e ursos, parece interessante — abre um pequeno sorriso divertido e olha para Ghost — O que você acha, Tenente? Vamos voltar a caçar ursos? —
— Não com você, MacTavish — responde seco, e Soap parece surpreso e chateado.
— E por que não?! — questiona. Ghost suspira e
— Você é barulhento, hiperativo e ansioso. Íamos morrer no primeiro dia de caça — ele explica de uma forma rígida que desanima Soap imediatamente. Ghost se apruma e então me encara de forma contemplativa — E você, Sargento? Não disse nada desde que chegamos, você conhece o terreno melhor que nós —
Não quero citar Veronika, e muito menos demonstrar a vontade de colocá-la como prioridade em detrimento da missão, mas sei que logo serei empurrado para tal. Medito um pouco sobre as opções que temos. Umedeço os lábios tentando não deixar a presença de Simon me impor qualquer sensação de urgência.
— Creio que a mata é uma péssima ideia, existem caminhos melhores.
— Por exemplo...? — Capitão Price intervém, ergue suas sobrancelhas claras e me observa com curiosidade. Meu olhar se alterna entre ele e Ghost, tentando achar uma outra viabilidade que me permitisse levar a "informante" que arrastei para esses riscos.
De repente, uso tudo o que posso me lembrar das conversas com Veronika ao meu favor. Pestanejo, e uma iluminação me vem à cabeça num lampejo salvador que me faz querer suspirar aliviado, mas controlo o ânimo e tento soar casual.
— Túneis, talvez.
— Quer que façamos túneis? — Price pressiona estreitando seus olhos e alisando o próprio bigode em uma encucação visível.
Eu nego com a cabeça.
— Existem centenas de túneis subterrâneos que ligavam Moscou ao restante do país, cruzando todas as pequenas cidades — eu explico, recordando-me das aulas que Veronika me dera sobre a geografia urbana russa — Alguns viraram metrôs, outros permanecem abandonados, mas tem um sistema de ventilação persa, então não precisaríamos nos preocupar em morrer por falta de oxigênio —
Alterno minhas pupilas entre todos os membros na sala, e todos me encaram de volta com atenção em um silêncio avaliativo. De repente, sinto que estão todos me analisando, me pressionando, ou duvidando das minhas conclusões. Sei que isso é meramente um resquício de paranóia que resta em quem já sofreu com ansiedade, então ignoro essa falsa intuição.
Na verdade, aquilo bastara para convencê-los.
— Gaz, procure pelos túneis de König e calcule o tempo de chegada em estimativa — Ghost ordena acenando para Garrick, que imediatamente retira sua enorme bolsa tática das costas e a despeja no chão para tirar seus equipamentos dali de dentro. Simon se volta para mim — König, você nos repassa as informações sobre o paradeiro do Makarov —
Eu assinto.
— Sim, Tenente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
edelweiss | a könig storie.
Fiksi PenggemarKönig não podia escapar. O passado sulfúreo que emana dos muros e que flutua nas ruas de Viena o perseguiria para sempre. A luz amarela dos postes antigos que resplandecem nas calçadas molhadas, e evocavam a necessidade precípua que todo austríaco c...