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Entrei num bom fluxo produtivo.
Aproveitem.

As calçadas estão entupidas de uma neve insuportável, que se mistura com a lama imunda do meio fio. Ando pelas ruas de Chertanovo como um russo qualquer. Pálido, tristonho, com um desinteresse crônico nos arredores que me cercam, escondendo que observo literalmente cada detalhe que posso daquele bairro. Contando os becos, os mercados, pichações de gangues nos muros, símbolos. Os rostos de quem fica pelos cantos das calçadas como checkpoints ou personagens secundários da vizinhança.

Minhas mãos congelam nos bolsos e a pistola semiautomática em minha cintura, ainda que eu tenha vestido o mais pesado dos casacos que tinha.

Vejo no fim da rua uma pequena loja de tecnologia com uma enorme placa imunda, onde há câmeras de vigilância na fachada, as primeiras que vi desde que cheguei nessa vizinhança. Três homens estão passando a tarde na esquina onde essas duas câmeras ficam, todos vestindo conjuntos de moletom preto, boinas escuras e sapatos bico fino, um estilo periférico russo, pelo que Veronika me contou.

Meus olhos sobem para avaliar a altura dos pequenos prédios, e ao que me parece, o prédio vermelho na esquina oposta à que eles estão prostrados tem uma escadaria de incêndio pelos fundos. Talvez fosse bom observar de um ponto onde as câmeras não me alcancassem e onde eu pudesse ver o quarteirão com amplitude.

Eu atravesso a rua para evitar passar por eles, me encaminhando para dobrar para a rua de cima. Não acredito que tenham me percebido, mas já os tenho como um movimento suspeito nas proximidades. Dobro num beco próximo ao prédio que me interessava, e quase como esperado, as escadas estão ali, livres para quem quisesse subir. Eu as puxo, escalo o prédio pelos degraus até chegar ao pequeno terraço.

Alguns ratos correm por ali, e está tão imundo quanto o resto da cidade. Tiro a mochila dos ombros, deixando-a cair sobre as pedras de seixo do chão. Cato dentro dela o material que usaria para plantar uma câmera remota ali, e o faço sem dificuldade, monitorando agora aquela área do quarteirão. Reparo que há na porta de ferro da escada interna o desenho feito em tinta spray de uma pequena rosa dos ventos preta e branca.

Desço pelas mesmas escadas de forma discreta, e volto a andar pelas ruas como quem procura por sinais invisíveis ou apitos de cachorro das Bratva, as máfias russas, o que pode ser um rastro para coisas maiores como o Makarov ou para qualquer outro tipo de teia de aranha que me desse um fio para puxar informações. Vejo, e percebo que já tinha visto enquanto estávamos no táxi, uma pichação branca e preta num muro de tijolos, no segundo andar de um prédio.

Averiguo as duas direções da rua e constato que não há ninguém ali que estivesse me vendo, pelo menos não que eu tenha localizado. Janelas altas também estão aparentemente limpas. Sigo até bem próximo da marca, com as mãos enterradas nos bolsos e um olhar desconfiado para os arredores.

Assim que chego na rua onde o prédio está, vejo outro desses desenhos, menor, mas ainda assim posicionado na esquina da mesma transversal. Ali algumas figuras caminham sozinhas, um velho usando um sobretudo preto e carregando sacolas, e na mesma calçada uma moça com uma criança caminha com os pés mergulhados na neve. Marcho até a esquina, e quando desemboco na outra rua, percebo que há o mesmo desenho em diferentes direções, e em todas as direções que olho é quase como se ele se multiplicasse.

Olho para o sol obscuro que ainda iluminava, devem ser por volta de quatro da tarde e nem mesmo tive tempo de almoçar. Resolvo que dali, iria tentar remontar o caminho do velho que passou com a sacola e achar o mercadinho onde ele estava antes, e assim o fiz, e as pessoas carregando sacolas no caminho me auxiliaram na missão de passar despercebido e não pedir informações à estranhos.

edelweiss | a könig storie.Onde histórias criam vida. Descubra agora