Senti o gosto de sangue na minha boca, passei a lingua pelo corte, sentindo o fluído se acumulando na minha boca depois do soco que recebi.
Cuspi um pouco para o chão, vendo o liquido vermelho a escassos centímetros dos meus pés, enquanto eu permanecia abaixada, vendo a sua sombra gigantesta se abatendo sobre mim. Sorri, apesar da dor, meu maxilar ainda dolorido e deixei ele se aproximar mais.
Senti a sua mão no meu ombro, vendo a sua sombra erguer o outro braço, onde ele segurava uma espada, e esperei ele se aproximar mais de mim, pois sabia que seu objetivo era cortar minha cabeça.
Assim que ele o fez, lancei a cabeça pra trás, com violência, batendo no seu nariz e sentindo o mesmo quebrar, ao mesmo tempo que rodava, segurava sua espada, que ele soltou automaticamente, para poder colocar as mãos no rosto, enquanto seu sangue escapava pelos seus dedos.
Empurrei ele, fazendo dar vários passos atrás, suas costas batendo na parede fria atrás de si. Ele soltou um som abafado.
Rodei os ombros, olhando ele, e depois rodei a espada na minha mão. Seria mais fácil utilizar as minhas habilidades, mas tal tinha sido proibido esse ano, a fim de tornar as provas o mais sangrentas possíveis.
Minhas habilidades, assim como as de todos os que as possuíam, vinham de vários e vários anos vivendo sob o que restava de um mundo morto, derrubado pelos próprios humanos e suas loucas criações, tudo perdido por causa de catástrofes que eles próprios haviam proporcionado, nos levando quase á extinção e nos obrigando a erguer novamente, sem nada, além de consequências em nosso oxigénio, em nossos corpos, que, em alguns casos, devido á grande exposição a químicos ainda presentes na superfície terrestre, tinham criado habilidades especiais e nos tornado no que os normais chamavam de Mutes.
Mas esse ano, nossas habilidades haviam sido proibidas nas Provas devido ao número elevado de concorrentes normais.
Apenas restavamos nós, os dois últimos sobreviventes dos combates sangrentos, daquele ano, criados pelo Rei, á vários anos atrás, onde 12 pessoas eram colocadas pra combater até á morte, em vários cenários que poderiam ir das profundezas das florestas ao mais árido deserto. O vencedor, ganharia uma quantia grande de dinheiro e uma vida no palácio, com tudo o que pudesse imaginar. Mas seria morto sem piedade ao menor ato de traição ou rebelião. Além disso, seria novamente um concorrente nos combates futuros... até á sua morte.
Nesse ano, o cenário escolhido haviam sido ruínas antigas, um muito antigo auditório, cheio de pedras e lugares sem proteção alguma. O objetivo era conquistar todas as medalhas que os concorrentes traziam no pescoço. Para a vitória ser válida, o campeão precisava ter todas as medalhas em seu poder e todos os seus concorrentes estarem mortos.
Limpei o sangue que escorria pelo canto da minha boca, com as costas da mão livre, e avancei para o meu alvo. Ele me sorriu, quando encostei a ponta da lâmina no seu peito.
- Acaba com isso. - Pediu. - Sou apenas um Natural.
Vi algo no seu olhar e rapidamente afastei qualquer tipo de pensamento que me pudesse fazer recuar ou esperar mais tempo. Empurrei a espada, sentindo ela atravessar o peito daquele homem, entrando na sua carne e perfurando o seu coração. Ele abriu muito os olhos, suspirou uma última vez e escorregou, sentando no chão, a sua vida abandonando o seu corpo.
Abaixei, retirei a espada e segurei sua medalha, presa no fino fio de metal, no seu pescoço. Puxei com força, arrancando ela e girei nos meus dedos. Levantei, me afastando e peguei as restantes das medalhas, todas elas sujas de sangue.
Larguei a espada no chão e me dirigi para a porta da saída, sabendo que estava sendo observada.
A porta abriu, me dando passagem para o exterior, e percorri o corredor feito especialmente para o vencedor, que levaria exatamente á frente do Rei e da Rainha, sentados nas suas luxuosas cadeiras. Mais atrás, de pé, me olhando fixamente, estava um dos filhos do Rei, vestido de negro da cabeça aos pés, de braços cruzados sobre o peito, na sua habitual atitude calma... O que o tornava ainda mais assustador.
Seu olhar era inquietante, o mais profundo dos azuis, seu cabelo negro, eternamente desgrenhado, caindo sobre o rosto, seu rosto de traços fortes, seu porte altivo, ombros largos e braços fortes, perfeitamente esculpidos, sendo possivel perceber mesmo por baixo da roupa. Ele era um Mute, um dos mais poderosos. Que ironia. E me olhava de forma perturbadora, mas consegui ignorá-lo com sucesso. Como sempre.
Quase sorri. Eu estava imunda, de pó, terra e sangue, exausta, e eles ali, acabados de chegar depois de serem avisados da minha vitória.
Ergui o queixo, orgulhosamente, sem parar de andar, sem abrandar. Cheguei junto deles, onde existia uma mesa na sua frente, e larguei as medalhas ensanguentadas em cima da mesma, olhando o Rei com um ar desafiante.
Ele sorriu. - Parabéns, mais uma vez. - Falou em tom de voz baixo, antes de levantar e encarar o povo em nosso redor. - Senhores e senhoras, a vencedora da 9° Edição das Provas de Sangue, Nyra Collins.
Todo o reino explodiu em aplausos e gritos de vitória, me deixando zonza. Fechei os olhos por dois segundos. Esse ano tinha sido especialmente terrível, depois de eu ter sido obrigada a matar um rapaz com quem eu crescera.
Senti mãos nos meus ombros, me empurrando, que reconheci como sendo dos guardas do palácio, que me faziam seguir na direção onde uma luxuosa carruagem me aguardava.
Ignorei cada pessoa que gritava o meu nome em êxtase. Aquilo era doentio. Ver pessoas se matando por dias, para nada, além do entretenimento do próprio Rei e da sua família.
Uma das mãos, ainda no meu ombro, apertou ligeiramente antes de me soltar. Reconheci o toque do Capitão da Guarda Real, Declan, um Mute, o único ser humano que eu deixara se aproximar o suficiente para poder chamar de amigo. Ou nem isso ele era?
Entrei na carruagem, sentando e fechando os olhos, agradecendo mentalmente quando a porta se fechou, me separando do som de gritos animados.
Abri os olhos e olhei as minhas mãos, cobertas de sangue. Sangue que não era meu. Esfreguei elas, em vão, tentando me libertar daquela sensação de ser uma assassina, mas mesmo que conseguisse, nunca conseguiria apagar as imagens de cada morte da minha mente...
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Blood Proofs
General FictionO Reino de Elmswood não existiria sem a queda do mundo como o conhecemos. E nem as sangrentas "Provas de Sangue", combates entre pessoas, escolhidas do povo do Reino, que têm de lutar entre si pela vitória e a possibilidade de viverem no palácio...