Entrei no quarto, aquele que seria meu até o dia seguinte, quando me enviassem oficialmente para as provas.
Como sempre, o quarto era bastante simples. Apenas continha uma cama, uma mesa com duas cadeiras, um espelho, uma mesa de apoio com a roupa que eu deveria usar no dia seguinte e, em uma das paredes, existia uma porta, que dava acesso a um banheiro.
Respirei fundo, resistindo ao impulso de apagar a luz e ficar na total escuridão, já que não existiam janelas.
Depois olhei a mesa e ri. Tive de rir. O Rei sempre fazia aquilo. Mandava servir nossas comidas preferidas na noite anterior. Me aproximei, coloquei uma uva na boca, sentindo o suco fresco e doce quando meus dentes rasgaram a sua pele. Depois peguei uma garrafa de água e bebi um gole.
Fiquei ali, de pé, olhando o nada.
Eu iria regressar nas Provas. Eu teria de matar novamente. Mas dessa vez, poderia usar minhas habilidades. E dessa vez, Jace estava nas Provas comigo. E eu iria morrer.
Fechei os olhos. Me reencontrar com minha familia não me parecia ser uma péssima ideia.
O som de alguém batendo na porta me fez olhar nessa direção, franzindo o cenho. Nunca tínhamos visitas além do guarda que nos levava para o local das provas.
Abri a porta, com cuidado, e vi Declan do outro lado, segurando algo comprido, envolto em papel marrom.
- Dec?
Ele me sorriu e entrou no quarto, colocando o objeto sobre a cama. Depois me olhou e indicou o mesmo, enquanto eu fechava a porta.
- Presente do Rei.
- O quê? - Me aproximei.
Declan puxou uma cadeira e sentou, com uma das pernas encolhidas sobre a mesma.
- Vencedora por cinco anos, lembra? Tem de ter uma vantagem.
Rasguei o papel e vi uma espada. Algo... estranhamente familiar. Peguei ela, sentindo o peso e rodando nas minhas mãos.
Olhei Declan. - A mesma que usei para ganhar as últimas provas.
Declan assentiu. - Você tem de tentar, Nyra.
Eu ri e joguei a espada na cama. - O filho dele estará nessas provas, não vou sobreviver. E nem tenciono.
- Deixa de besteira.
Assenti e peguei um pedaço de queijo.
- Uhum. Claro que sim.
Dei as costas para ele e dei minha total atenção para a mesa repleta de comida.
- Preciso que você saia dessas provas com vida.
Parei o que estava fazendo e girei, olhando ele.
Declan levantou e se aproximou de mim, parando bem na minha frente.
- Para quê? - Perguntei. - Para ter de regressar no ano que vem?
- Porque não posso perder uma amiga. E além disso, se o Jace morrer, acha mesmo que existirão provas no ano que vem?
Franzi o cenho. - O quê?
- Pensa, Nyra. Se o Rei perder o filho, acha que ele vai continuar com isso? Com a coisa que vai relembrá-lo de como o filho morreu? Que foi por suas ideias malucas?
Dei de ombros. - Pode ter o efeito contrário. Pode perpetuar isso.
Declan passou a mão pelo cabelo. - Deixa que outro o mate, não tem de ser você.
- Pffff. Nenhum dos outros chega no príncipe.
- E aquele tipo que controla os elementos?
Eu ri. - Jace poderia entrar na mente dele. Nenhum consegue, Declan.
O Capitão segurou os meus ombros.
- Você consegue.
- Não quero.
- Nyra...
Sacudi as mãos dele e me afastei. Depois parei de andar e encarei Declan.
- Será minha última prova, Dec, aceita isso. - Falei. - Não haverá próxima. Não vou matar o príncipe.
Declan olhou o chão e depois de novo para mim, assentindo. Se aproximou e segurou as minhas mãos, parecendo tão pequenas nas suas, enluvadas.
- Isso é um adeus? - Perguntou.
Sorri e respirei fundo.
- Acho que sim, Capitão. - Respondi. - Eu não consigo continuar com isso, e você sabe.
Declan assentiu e depois, me pegando de surpresa, beijou a minha testa.
Senti um choque por todo o meu corpo, que me fez fechar os olhos com força, enquanto uma força poderosíssima percorria o meu corpo.
Ele se afastou e me sorriu.
- Eu sei, só... Te vejo pela manhã, Collins. Descansa. - Me sorriu. - Não é um Adeus.
Declan saiu do quarto e eu soltei a respiração que estivera prendendo.
Olhei o chão, ainda sentindo aquela força vibrando no meu corpo. Ergui a mão, abri e fechei... Me sentia forte. Poderosa. Aquilo tinha mesmo acontecido?
Olhei a parede, mas depressa apaguei a ideia da minha mente, não podia deixar qualquer rastro. Depois meus olhos acharam um frasco de vidro, grosso, na mesa, cheio de morangos. Peguei ele, tirando a fruta e segurei com as duas mãos. Respirei fundo, e fiz força, mas algo tão superficial que nenhum ser humano sentiria. No entanto, o frasco se desfez em milhares de pedaços, que caíram no chão.
- Não... - Falei num tom de voz baixo, deixando meus joelhos baterem no chão e sentindo pedaços de vidro se espetando.
Fechei os olhos, me amaldiçoando às profundezas do inferno, e depois abri. Teria de mandar aquela força para um canto escuro da minha mente, de onde ela nunca sairia.
Levantei e segui na direção do banheiro, onde retirei toda a minha roupa e entrei no banho, esfregando o cabelo e cada centimetro de pele.
Depois de seca, vesti as roupas para a prova e me dirigi até á cama, onde as minhas mãos pegaram a espada. Fiquei olhando ela por alguns minutos.
Seria inevitável. Um de nós ia morrer, eu ou o príncipe. E eu não iria regressar para as provas no ano seguinte e nem para o palácio.
Segui na direção da cadeira, puxei ela para um canto e sentei, olhando a porta e colocando a espada sobre as pernas, esperando.
Tinha a noite toda para pensar, para planejar uma forma de acabar com aquilo no dia seguinte.
Iria eliminar tantos Mutes e Naturais quanto conseguisse, para tornar tudo mais fácil para o príncipe, para ter certeza de que ele venceria, e depois... Depois eu morreria.
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Blood Proofs
General FictionO Reino de Elmswood não existiria sem a queda do mundo como o conhecemos. E nem as sangrentas "Provas de Sangue", combates entre pessoas, escolhidas do povo do Reino, que têm de lutar entre si pela vitória e a possibilidade de viverem no palácio...