Juntos

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A porta se abriu e, dela, labaredas de fogo caminhavam sala à dentro em passos tristes. O menino, encarando os olhos verdes de esperança, tinha no rosto um sorriso ausente, de alguém que, nele, não cabia.

— Kai...? — Disse a menina, e pouco se ouvia naquele lugar durante a ausência de sua voz.

Ele não chorava, mas parecia. Ao invés de lágrimas, saía de seus olhos um vapor quente no lugar, ardente e sufocante.

— E-eu... — Continuou. — E-eu estou s-sozinho. — Desviava sua atenção, parecia preso em algum momento, um muito longe dali.

Sae se aproximava, não se importando com o súbito aquecer. Olhava para o seu colega de um jeito terno, apenas aconchegante, e sabia que nada poderia fazer para mudar o que ele sentia. Talvez a solidão fosse o pior remédio que aquele lugar podia oferecer, pois te fazia pensar sobre tudo o que não era permitido viver depois daqueles portões, mas, algumas vezes, era confortante.

— Todos estamos, no fim das contas. — Ela murmura.

—P-por que? — O outro questiona, em simples confusão soturna. Doía. Em seu peito, sua cabeça, suas mãos, sentia a falta daquilo que nunca teve.

De seus braços, saiam faíscas sinuosas, que tentavam acender uma fogueira de mágoa. Preso, porém, a um ligeiro abraço apertado, a confusão com tal espontâneo afeto o fazia congelar. Consegue parar o pranto para se perguntar de que forma havia conseguido mudar a cabeça de um ser tão esquivo.

Ela fazia de si um cinto, tentando fazer com que aquele gesto pudesse intervir no fluxo de suas lágrimas estranhas. Finalmente, sentindo seu cheiro doce, Kai a agarra de volta, com carinho, e pode voltar a lamentar sem temer destruir o quarto de sua amiga.

— Genji se foi.. — Ele lamenta, dizendo sobre o veterano a quem sempre se orgulhou de ser muito próximo. — Ele foi pro estágio e nunca mais vai voltar.

— Eu sei. — Sae respondia.

— Eu não quero ir também, Sae.

O olhava. Opiniões eram coisas que ela sempre guardou pra si.

— Eu também não. — Respondeu em um único suspirar.

Dava-o coragem para abrir um dos pactos mais importantes das suas vidas, um acordo de genuinidade e proteção, um segredo. De suas experiências infelizes e histórias de desencontros, aquilo era apenas mais um dos pontos que tinham em comum, mesmo que o de mais estrema importância.

— Eu não quero ser um herói, Sae. — Declarou da demasiada finitude do seu ser.

— Eu também não. — Ela respondeu.

Em um forte aperto, o menino se desvencilhava do abraço de maneira arredia, sem olhar para a garota direito. Sentava-se ao pé da cama e ponderava sobre qualquer coisa que adiantasse um desabafo tão sombrio.

Não havia escapatória daquele reino de mentiras, principalmente para seus joelhos feridos de treinos, sem ter quem pudesse dar um beijo para os curar, eram prisioneiros. O programa que o governo fechou com essa escola é bem direto: crianças de difícil adaptação em lares definitivos, pelo advento de suas especialidades, serão treinadas para seu aperfeiçoamento, na troca de boa quantia por seus cuidados. Talvez a única liberdade fosse a maior idade, se até ela for possível aguentar.

— Esquilos morrem, Sae.

— Eu sei.

— Eu não quero ser um esquilo.

— Queria viver a vida das pessoas dos livros.

Seus olhos se encontravam, a menina deitada sobre o colchão infeliz que as acomodações ofereciam. Voltava a pensar em uma realidade paralela, onde, em um momento como esse, conseguiria dormir em cobertas macias e coloridas.

— Os personagens vivem uma rotina tão... normal. — Ela prosseguia.

— Eu queria ser um engenheiro.

Parecia tão simples.

— Construiria a casa dos meus pais inteira de novo, pros seus espíritos terem onde morar.

— Se eu fosse cientista, eu já teria construído uma máquina do tempo pra eu lembrar dos rostos deles...

Suas risadas eram sôfregas, mas as mais sinceras que já deram em muito tempo.

— Em uma vida normal, eles ainda estariam aqui. — Disse o menino fogo.

— Talvez fosse melhor, mas não os conhecemos. — A menina vento pensou alto.

— Ainda seriam nossos pais.

— Sagami não gosta dos pais dela.

— Yuno diz que ela é maluca.

— Katori disse que famílias são difíceis.

Acordaram em discordância, quietos, como no momento em que se encontraram.

— A vida seria melhor fora daqui.

— Seria.

>>>> Fim do Capítulo <<<<

Hero's Legacy - Boku No HeroOnde histórias criam vida. Descubra agora