Passagem da brisa

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Onde uma vez residiu alegria, restava incerteza. Um medo enraizado nos princípios mais sólidos da relação daqueles dois: o temor irracional pela decepção, tentativa tão clara de recompensar uma atenção por eles não tida.

— Você esta... chorando? — Os dois dizem em mesma voz.

Se calam e não respondem, sabiam ambos do que se tratava aquele problema.

Sae se encolhia entre suas roupas, uma blusa de tamanho comicamente grande e um moletom largo, agia como se fosse possível se camuflar com o rodapé. Ela escondia o rosto entre os braços e enchugava suas lágrimas, restando apenas seu olhar, inchado e ruborizado, à vista.

— Desculpa. — Murmurou entre fraco pranto. — Não precisa se preocupar comigo.

— Na verdade, preciso. — Kai responde, tão lamentoso quanto a primeira.

Voltavam a se encarar com pena.

— Eu... só... — Ela iniciava. — Fiquei com medo.

— Entendo.

— Não de você...

— Eu sei.

— Tive medo de me odiar.

A brisa soprava suas chamas para longe do rosto. A fumaça se dissipava no ar constante que entrava e saía do quarto pela fresta da porta.

— Nunca irei te odiar, Sae. — O garoto explica.

— Mas...

— Eu sou seu melhor amigo. Sou fisicamente incapaz de fazer isso.

Verdade habitava suas palavras, única nativa em sua voz, mesmo com o insistente ar de omissão vindo de ambos os amigos.

Voltavam ao silêncio, choroso. Havia muito a ser dito nessa constante mudez, assoprando sussurros de culpa.

— Eu... — Ambos dizem em uníssono, novamente.

O menino, dessa vez, toma a palavra primeiro.

— Não quis te assombrar quando disse que soube da notícia. — Explicou o mais novo. — Só... achei que poderia tentar te tranquilizar, se parecesse saber da sua decisão... desculpa.

— Foi uma promessa, Kai.

— Nós eramos crianças quando fizemos ela... não tinha como a gente saber sobre o que nos esperava.

— Mas continua sendo uma promessa. — Sae diz. — Me senti mal porque... parece que estou enganando aquelas duas crianças.

— E estamos...

Rarefeito, o ar torna a criar alucinações, elas quase tão reais quanto fantásticos sonhos.

Como se fosse possível, sentiam estar mais perto daquelas duas versões de si mesmos, dois medrosos que se encontraram de repente. Parecia que, talvez, conseguissem mesmo voltar ao tempo em que se conheceram, mas eram apenas espectadores de seu próprio conto.

Tinham meros 5 anos, na época. Sentavam-se um ao lado do outro nas carteiras dispostas em sala, sentindo-se um pouco menos sozinhos do que no início daquela manhã. Não trocaram uma palavra até então, apenas os olhares de quem viu horrores proibidos à idade.

— É infantil achar que dava pra mantermos aquela promessa pelo resto de nossas vidas. — O menino explica.

— Mas eu realmente queria que ela fosse algo real.

— E é... — Suspirou. — Em outra dimensão, em algum lugar... Tenho certeza de que ela pode ser real, mas não pra gente aqui.

Acordavam juntos, comiam juntos, desenhavam juntos e aprendiam o que é viver para aquela gente uniformizada. Não existia o ser "algo individual" nas turmas mais novas, as crianças faziam atividades em um coletivo indivisível. Mas, por algum motivo, aqueles dois sempre estiveram muito mais perto da mesa dos seus professores por ali.

Kai a escolheu como seu bichinho de estimação, e a garota, tão tímida, nunca protestou. Desenhava em seus trabalhos, coloria seus braços com todas as canetinhas à disposição e trançava seus cabelos de forma quase vergonhosa.

— Eu sinto muito, Sae... de verdade. — Ele continuava. — Não queria te dar esperanças falsas.

Sucumbia as vontades do menino toda vez que ele pedia, pois, mesmo irritante, vê-lo feliz era como satisfazer o irmão que ela não tinha.

Aguentava o discreto incômodo como se aquilo fosse o correto a se fazer. Tudo se justificava quando o sorriso aparecia no rosto daquela labareda ambulante, até que um dia o tal nunca mais deixou a moldura das suas chamas.

— Acho que eu precisava dessa esperança pra conseguir crescer, mas você não. — Ele chorava. — De todas as pessoas... você era a única que conseguiria sempre seguir sozinha... eu era um fracote.

Seu carinho, seu afeto, seu sorriso. Tudo o que ele tinha mostrava um ar de familiaridade bom de sentir por perto, por isso nunca se afastavam.

Sae era sua maior fã, apesar de não demonstrar, e ele era o dela.

— Desculpa, Sae. Eu..

— Da pra calar sua boca? — Ela mandava.

O tempo e o espaço voltavam ao modo como corriam antes: velozes, mas constantes.

— Não quero que peça desculpas. — Continuou.

— Mas.. — Kai tenta iniciar, impedido pela autoridade da mais velha.

— Se eu me sufoquei com essas expectativas, o problema foi meu. — Ela explica. — Só... Não queria ter quebrado a promessa. Ela era importante pra mim.

— Pra mim também, mas..

— Da pra parar de falar?

Eles se encaravam, dentro de uma raiva que se misturava com graça, e dissipava um pouco da tristeza.

O branco do quarto se tornava gélido, com uma força inquietamente aconchegante e rispidamente gentil, enquanto os livros jogados no chão pareciam até perdoar o vento por sujar suas páginas com a sujeira do assoalho.

— Sempre estivemos destinados a essa vida, desde o dia em que nos encontramos naquele internato. — Disse Sae.

Kai concorda, finalmente quieto, e deixa a menina continuar caindo no abismo dos problemas que os dois colheram.

— Eu queria viver nessa outra realidade em que somos apenas cidadãos comuns. Mas o destino não deixa... Queria que realizassemos o sonho daquelas duas crianças...

A brisa cessa. Torna mudo até a canção do tempo, congelada para os dois refletirem sobre tudo o que ja viveram e ainda enfrentarão.

— Como eu faço pra não me sentir mal quebrando nosso trato? — questiona.

Não havia como. Não havia jeito de mudar o que ja estava traçado, quer você acredite, quer não.

Viver não possui tanto sentindo quando se chega a essa fase, ambos concluiram. Ainda com tão pouca idade, alcançaram a crise que muitos só conhecem quando bem estabelecidos. Mas precisavam viver agora, um pelo outro e o outro por todas as pessoas que tornou amiga.

Sae se levanta, aberta às pedras, pronta para ser deixada levar pelo destino.

— Sae... — Sussurrou o menino.

Um pressentimento surgiu na mente daquela que com dificuldade se curava do que a houve.

— Eu posso ter feito uma bobagem sem querer... e por isso estou aqui... por isso hoje...— Continuou.

Com atenção, sabia que isso traria todas as respostas que queria.

— Você não... — Ela inicia a entender. — Como poderia..? — As peças se juntam. — Não diga que...

— Você voltará comigo para Tóquio na segunda.

— Merda, Kai. Que porcaria de timing é esse?

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⏰ Última atualização: Dec 03 ⏰

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