Draven Kavintz
4 anos atrás...A terceira arte nunca me chamou atenção, desenho e pintura sempre me pareceu um desperdício de tempo. Mas aqui estou eu, sentado na poltrona do avião fazendo os mesmos rabiscos, repetindo os mesmos traços, as mesmas cores, em uma rotina obsessiva.
Obsessão é a única palavra que pode definir a minha vida. Uma corrida obcecada que me guia desde o dourado mais intenso ao suave rosa pêssego, onde cada pincelada ou risco é uma tentativa vã de capturar algo que nunca possuirei.
E nem vou porque provavelmente ela nem mesmo existe.
Minha mente é um labirinto de lembranças fragmentadas, distorcidas pela droga e pelo tempo. Apenas uma imagem que permanece clara: aqueles olhos dourados, cheios de medo e desespero. A imagem dela está gravada como uma cicatriz na minha mente, uma lembrança indesejada que não consigo apagar.
Sentimentos alheios são fáceis de destrinchar, mesmo que eu não tenha muito interesse neles, a curiosidade ainda pinica a minha mente vez ou outra. Mas não no caso dela. O medo assim como o último flash de luz nos olhos de alguém prestes a morrer, podem ser tão viciantes quanto qualquer droga que alimenta a produção de serotonina no meu cérebro. Mas ver esse sentimento nos olhos dela, mesmo que por uma única vez, mesmo sem nem saber o seu nome... Posso dizer que me deixou inquieto.
Ela apareceu na minha vida como uma criatura perdida na floresta na noite mais sombria. Eu a salvei e então ela se foi como fumaça ao vento, evaporou sem deixar rastros.
Minha obsessão por encontrá-la consumiu cada parte de mim, cada respiração, cada pensamento e cada segundo dos meus dias. Toda noite, volto àquela floresta nos meus sonhos, esperando vê-la novamente, esperando entender o que lhe aconteceu. Será que encontrou paz ou ainda vagueia perdida, como um espírito inquieto?
O esboço pronto que eu aperto em minhas mãos é apenas mais um dos vários que fiz ao longo desses onze anos . Dessa vez em um pedaço de papel ao invés de uma tela como Alessa tentou me ensinar a pintar. Por diversas vezes eu já fiz, refiz, amassei, rasguei ou queimei esses rabiscos em momentos como este, quando a irritação e a descrença da existência dela, destruíram o meu autocontrole, mas agora após mais um dia infrutífero, eu apenas aperto o caderno de capa dura até as articulações dos meus dedos empalidecerem, e trinco os meus dentes evitando que o grito "ONDE VOCÊ SE ESCONDEU DESGRAÇADA" preso em minha garganta, escape pelos meus lábios e eu acabe saindo algemado direto para uma ala psiquiátrica.
Os motores zumbindo nos meus ouvidos e o aviso de pouso em 10 minutos chamam a atenção de todos.
Ponto de destino: Boston.
Já faz um ano desde que deixei essa merda de cidade com destino a Londres, e agora, mais uma vez, estou voltando para esse fim de mundo.
Essas idas e vindas se tornaram constantes desde que atingi a idade permitida para viajar sozinho. Sempre vou com a esperança de reencontrá-la e retorno com o sabor amargo da derrota de uma caçada vã. Só que agora há algo diferente. Eu não teria retornado tão cedo se não tivesse recebido a mensagem de que Alessa está morta.
O pior é que eu nem dei atenção ao que acontecia à ela enquanto corria atrás da minha miragem.
As luzes da cabine piscam enquanto o avião se prepara para pousar. Minha mente vagueia até aquela noite em Boston, quando vi Alessa pela última vez. A risada dela ainda ecoa na minha cabeça, um som que agora parece um espectro zombeteiro.
Eu falhei com ela.
Não estive lá quando precisava, porque estava ocupado perseguindo sombras e ilusões. Agora, estou voltando para esta cidade sem sentido, para confrontar um vazio que eu mesmo criei. Alessa se foi, e eu estou aqui, rumo a um encontro no cemitério. É irônico, não é? Eu que deveria estar lá, não ela.
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A ARTE DO DESEJO
Любовные романыOs opostos se atraem, mas se repelam como água e o azeite. Uma jovem pintora desperta após três meses em um coma, resultado de seus problemas com álcool após a perda do pai. Por mais que ela acreditasse que fosse graças ao coma, na verdade um trauma...