Loiry Sartori
Em algum momento no passado...Me sinto completamente deslocada. O ar da sala de exposições é pesado, sufocante. A luz amarelada das lâmpadas antigas lança sombras inquietas sobre as obras penduradas nas paredes, tornando cada quadro mais sinistro do que realmente é. Eu posso sentir os olhares sobre mim e eles perfuram minha pele como agulhas afiadas. Não são olhares de admiração pela minha arte. Não, eu sei o que eles pensam. Eu sei o que eles sussurram quando acham que não estou ouvindo.
"Ela e a mãe armaram tudo. Foi um acidente muito conveniente, não foi"
"Mal o pai morreu, a mãe já irá se casar de novo."
"Será que o aman... novo marido teve participação?"
Essas palavras ecoam na minha cabeça como um mantra cruel, um refrão que me persegue onde quer que eu vá. Eu nunca consegui fugir delas. Sempre perdida naquele mar de insinuações e julgamentos, afundando cada vez mais.
— Senhorita Sartori? Loiry? — A voz do inspetor de artes me traz de volta à realidade, arrancando-me bruscamente dos meus pensamentos. Eu pisco algumas vezes, tentando focar, mas meu coração martela no peito como se quisesse escapar. — Então, senhorita Sartori?
Meus olhos, que antes estavam fixos em algum ponto indefinido do chão, erguem-se lentamente para encará-lo. Ele era um homem de meia-idade, de expressão severa, os óculos de aros finos descansando na ponta do nariz. Suas mãos cruzadas sobre o peito, o queixo erguido em um gesto de evidente impaciência. No salão silencioso, todos os olhares fixos em mim, esperam uma resposta.
— Ah, sim. — Minha voz soa fraca, quase inaudível. Eu pigarreio e tento novamente, forçando um tom de voz mais firme. — Me desculpe, me distraí um pouco.
O inspetor estreita os olhos, como se estivesse tentando decifrar se minha distração é uma forma de desafio ou simples desinteresse. A verdade é que eu estou longe daqui, perdida em pensamentos que me atormentam mais do que eu gostaria de admitir. É difícil não perceber o peso dos olhares ao meu redor. Não era apenas sobre a obra que eu estava prestes a apresentar; era sobre mim, sobre minha mãe, sobre tudo o que aconteceu.
O homem de cabelos grisalhos cuidadosamente penteados para trás, ergue uma sobrancelha. Seus olhos percorrem a tela à minha frente com uma indiferença estudada, como se ele já soubesse que nada do que eu diga poderá impressioná-lo. Ele é conhecido por seu rigor e por raramente tecer elogios, mas neste momento, parece haver algo mais em seu olhar. Ele já me condenou antes mesmo de ouvir minha explicação.
— Podemos dar continuidade? — insiste, sua voz impregnada de uma impaciência que ele não se dá ao trabalho de esconder. Ele provavelmente quer acabar logo com isso e seguir para a próxima obra, para a próxima artista, alguém menos problemática, alguém menos envolta em pensamentos sórdidos.
Eu inspiro profundamente, na tentativa de reunir forças e meus olhos se voltam para a pintura: uma explosão de cores escuras e formas distorcidas, uma tempestade de emoções que eu jamais conseguirei descrever em palavras. Eu sabia o que sentia quando a criei, mas agora, diante do olhar julgador do inspetor e de todas aquelas pessoas, minha mente parece em branco. O que significa aquilo? Eu mesma não sei mais.
— Claro — disse, em uma vã tentativa de soar confiante, mas sentindo a insegurança se infiltrar em cada palavra. — Esta arte... esta arte representa... Representa...
Minha voz morre. O que diabos eu estou tentando dizer? Minha mente está um caos, e a raiva que eu tento reprimir começa a borbulhar sob a superfície. Não é raiva do inspetor, nem das pessoas ao redor. É raiva de mim, por não conseguir me expressar, por estar sempre presa em uma teia de sentimentos que eu não consigo entender e por não conseguir lidar com isso.
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A ARTE DO DESEJO
Любовные романыOs opostos se atraem, mas se repelam como água e o azeite. Uma jovem pintora desperta após três meses em um coma, resultado de seus problemas com álcool após a perda do pai. Por mais que ela acreditasse que fosse graças ao coma, na verdade um trauma...