16 | 𝙱𝚎𝚊𝚞𝚝𝚒𝚏𝚞𝚕 𝚕𝚒𝚎

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O eco dos passos apressados das garotas ressoa no corredor lá fora, batendo contra o assoalho com urgência, se organizando para o inicio de mais um dia de aulas. Meus ouvidos captam cada batida, mesmo sem querer, enquanto tento manter minha atenção na jovem diante de mim.

Louise permanece encolhida no canto da cama, seus olhos marejados revelam o desespero que ela luta para conter. O quarto, impregnado com a sensação pesada parece testemunhar a agonia que paira entre nós. O som distante de vozes animadas no corredor contrasta totalmente com a tensão aqui dentro.

Seus olhos encontram os meus, buscando algum conforto que eu mal consigo oferecer. O silêncio do quarto é quase ensurdecedor, enquanto as garotas lá fora continuam a perambular.

— Eu sou uma pessoa ruim? — a voz doce e amena mal passa de um sussurro. Ela parece tão frágil, tão perdida... É como uma lembrança viva de mim mesma. Ver Louise assim aciona um gatilho, trazendo de volta a sensação de como eu me sentia quando bebia, quando me afundava, arrependida depois de virar várias garrafas e no final da noite retornar a fazer mesmo sabendo o sabor amargo que iria sentir no outro dia. Era uma luta constante contra a autopunição, contra a consciência de que estava errando e mesmo assim continuava no caminho tortuoso. Observando-a, vejo refletidos em seus olhos, os fantasmas que eu mesma já enfrentei. Ela se entregou à dor, assim como fiz tantas vezes.

A jovem, encolhida como se quisesse se fundir com a cama, com o rosto obscurecido pelas sombras, mesmo a luz do dia. Sinto meu coração apertar ao vê-la assim, tão vulnerável, talvez esse seja o lado que ela tenta esconder por trás do sorriso meigo.

— Eu sou tão errada... Faço coisas que nem sei se sou eu mesma no controle, depois tudo vem em uma enxurrada repulsiva... — sua voz ecoa em angústia, como se cada palavra fosse arrancada de uma ferida aberta. — Tem um cara...

Faz uma breve pausa, como se decidisse o que deve ou não contar.

— Eu conheço? — mesmo sabendo quem é, deixo a pergunta no ar para preencher o silêncio.

— Não... Sei que ele está me usando, não sou ingênua... Desde o início percebi, mas aceito tudo porque, de todos, ele é o único que me... — ela hesita por alguns instantes, suspirando fundo. — Eu não deveria, mas gosto dele.

As palavras frenéticas fluem de seus lábios, como um desabafo desesperado. Seus olhos alternam entre meu rosto e suas próprias mãos, como se buscasse respostas nas linhas da pele. Entendo, pelo menos em parte, o motivo dessa angústia. Vi algo naquela sala, algo que vai além do que está evidente. Não foi um sonho, apesar de meus sonhos quase se misturarem com a realidade. A verdade é palpável, mas é preciso cautela ao lidar com ela neste momento.

— Ei... ei. — Seguro suas mãos geladas. — Independente de qualquer coisa... Não importa quem seja, você pode contar comigo... Eu posso te proteger.

— Eu sei, Loiry. Mas não é do mesmo jeito. Você não entende isso, ninguém entende... Ninguém sabe o que aconteceu.

— Então me conta. — o seu olhar vago e perdido enfim encarou o meu, seus lábios se curvam em um esboço de sorriso desbotado, enquanto um suspiro pesado escapa das suas narinas. Em um gesto cansado, ela recolhe uma mecha solta de cabelo e a enrola distraidamente em torno do dedo, o gesto automático, uma pequena pausa silenciosa.

Sem saber o que dizer, fico em silêncio. O que poderia dizer, afinal? Se ela já se sente suja e perdida, revelar que testemunhei tudo só a faria se afundar mais.

Não quero que ela tenha vergonha de si, muito menos que seja graças a mim.

— Todos cometemos erros e nos perdemos às vezes. Mas isso não faz de você uma pessoa ruim. Você é humana e humanos tendem a fazer escolhas das quais podem se arrepender... — suas pequenas mãos deslizaram sobre seu rosto ao me ouvir. — Você não pode continuar nesse ciclo vicioso. É como uma farpa, quanto mais você insiste e ignora, mais ela penetra na sua carne. Então, Louise, antes que isso se aprofunde ainda mais em você, precisa arrancar o que está te causando dor... pela raiz.

A ARTE DO DESEJOOnde histórias criam vida. Descubra agora