prisão obsessiva

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Acordei em um quarto desconhecido. As cortinas estavam fechadas e o ar era frio, trazendo uma sensação de sufocamento. Minha cabeça latejava, minha garganta estava seca e havia um gosto metálico na boca. Tentei me mexer, mas meus membros pareciam presos a um peso invisível, como se minha própria vontade tivesse sido roubada.

Foi então que notei uma figura sentada em uma poltrona próxima. Um abajur se acendeu, revelando Kendall, observando-me com um olhar predatório e possessivo. Seus olhos, normalmente encantadores, agora me causavam um calafrio na espinha.

— Você finalmente acordou, amor. — disse suavemente. Sua voz era carinhosa, mas havia uma raiva disfarçada de doçura que me fez estremecer. — Não precisa se preocupar com nada. Eu estou aqui, e vamos ficar juntas, como sempre deveria ter sido.

Tentei falar, mas minha garganta estava seca, e as palavras saíram como um sussurro rouco quase inaudível.
— O que aconteceu...? — Uma pontada dolorosa na minha cabeça me fez fechar os olhos com força.

— É melhor não se esforçar. — Kendall se aproximou, cautelosa como se estivesse planejando algo. — Você está cansada, dormiu a tarde inteira... Tome este remédio. — Sua mão se estendeu com um comprimido, sua voz estava estranha, o que me fez ficar em alerta.

Olhei para meu corpo coberto pelo lençol branco e me senti pequena naquele cômodo. Estava usando um pijama; Kendall deve ter trocado minhas roupas enquanto eu dormia. Meu coração estava acelerado, como se a qualquer momento fosse saltar para fora do peito.

— Eu... eu não quero — Minha voz quebrou o silêncio.

A modelo sorriu forçadamente. — Sn, isso vai te ajudar com a dor de cabeça, você precisa descansar, amor. — Vi um lampejo de frustração em seu rosto por um breve momento, mas logo ela se recompôs, sua expressão se tornou paciente.

— Tudo bem, meu amor. — Kendall recolheu o comprimido, mas sua voz carregava uma ameaça velada. — Mas você precisa se cuidar. Eu me preocupo com você...

O silêncio voltou a se instalar no cômodo. Minha mente era como um papel em branco, tentando lembrar como cheguei nesse quarto.

Só me lembro de que estávamos no escritório...

Flashback

Kendall estava tão próxima que eu podia sentir seu hálito contra minha pele, podia sentir o calor que emanava de seu corpo. — Você é minha. — Ela sussurrou em meu ouvido, sua voz era um misto de possessão e carinho.

Minha mente gritava o quanto aquilo era errado, mas a intensidade do momento não me deixava pensar. Sabia que aquilo era errado, mas o amor que ainda pensava nutrir por Kendall me desarmava por completo.

— Vamos ficar aqui nessa mansão, ela será a nossa nova casa, amor, e dessa vez não vou te deixar ir embora.

A voz da modelo se tornou distante, minha visão ficou turva, as vozes se misturavam dentro da minha cabeça. Kendall segurava meu corpo trêmulo, murmurando coisas que eu não conseguia entender. O toque dela ainda queimava sobre minha pele, mas minha consciência estava me traindo; mal conseguia manter meus olhos abertos, sentia minhas pálpebras pesando.

Flashback off.

E então, depois disso, tudo se tornou uma escuridão sem fim e eu acordei nesse quarto escuro e frio.

— Onde estou, Kendall? O que aconteceu? — Aumentei meu tom de voz.

A modelo suspirou impaciente, como se estivesse conversando com uma criança teimosa.

— Meu amor, fica calma, ok? Estamos na nossa casa, você é minha esposa, o seu lugar é comigo, Sn. — Por mais que seu tom de voz estivesse suave, sentia que Kendall estava se esforçando ao máximo para não gritar comigo.

Olhei em volta como se buscasse alguma saída entre aquelas quatro paredes. Senti minha garganta seca, as lágrimas começaram a se formar, o ar começava a faltar, aquela seria a minha prisão e a presença de Kendall só me fazia afirmar que não haveria saída.

O colchão ao meu lado afundou sob o peso da modelo que se aproximou tentando tocar minha mão, mas me esquivei de seu toque, fazendo-a suspirar. — Amor, confia em mim, tudo vai ficar bem, eu prometo. Eu vou cuidar de você e não adianta tentar fugir ou esperar que a Kylie venha te salvar, é inútil. Sn, você é minha mulher agora e nada e nem ninguém vai mudar isso

— Confie em mim, Sn. — Acariciou meu rosto, o sorriso em seus lábios me fez questionar se alguma vez a conheci de verdade. — Acho melhor tomar o remédio, vai passar a dor. — insistiu, estendendo a mão novamente com o comprimido. — Vai te fazer relaxar, linda.

— Eu já disse que não quero, Kendall! — Fui rude.

Kendall inclinou a cabeça, um sorriso calmo brincava em seus lábios. — Sn, com o tempo você vai entender que essa é a nossa nova vida, a que sempre sonhamos juntas, você ainda é minha esposa. — Os olhos dela não deixavam espaço para protestos.

— Por que está fazendo isso comigo? — minha voz era um fio frágil de som.

— Porque eu te amo, Sn, eu salvei você! — ela disse, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Comigo, você está segura.

— Segura? Kendall, faça-me o favor! Você está doente! — Aquilo parecia ser a gota d'água. A expressão da modelo se voltou para fúria, mas logo um suspiro profundo e cansado escapou de seus lábios. — Você só está confusa, vou te deixar pensar com calma, amor. — Sua voz era suave como uma brisa leve.

— Você... É inacreditável, Kendall. — Falei frustrada.

Então foi como se um trem passasse na minha cabeça e tudo se tornou uma luz branca ofuscante. Como se fosse um filme, todas as minhas memórias voltaram. Lembrei-me de como conheci Kendall, de como conheci a família dela, de como me interessei por Kylie e como tudo terminou entre mim e Kendall. Como se fosse um túnel do tempo, viajei como se estivesse em uma biblioteca ou voltado ao passado.

A última lembrança que tive com Kendall não havia sido a melhor de todas. Foi de quando sofremos o acidente e tudo, até minhas lembranças, se tornaram um papel em branco.

— Kendall, você não pode simplesmente me manter aqui contra a minha vontade — minha voz tremia, mas tentei soar firme. — Isso é loucura!

— Loucura? — Kendall riu, um som frio e sem alegria. — Você não entende, Sn. Eu estou fazendo isso por nós. Por nosso amor.

— Isso não é amor — retruquei, sentindo a raiva começar a borbulhar dentro de mim. — Isso é controle, é possessão!

Ela se levantou abruptamente, seus olhos se estreitaram, a máscara de paciência e carinho caindo por um momento, revelando uma frieza assustadora.

— Você não sabe o que é melhor para você. Eu sei. Eu sempre soube. — Kendall se aproximou novamente, a mão estendida com o comprimido. — Tome o remédio, Sn. Vai ser mais fácil assim.

— Não — recusei, minha voz mais forte desta vez. — Eu não vou tomar nada que você me der.

O silêncio entre nós se tornou pesado, quase palpável. Kendall suspirou, visivelmente exasperada, mas guardou o comprimido de volta no frasco.

— Eu fiz o que precisava ser feito. — Kendall arrumou o vestido azul de ceda que servia perfeitamente bem como uma luva, o som do tecido ecoando no quarto silencioso. — Agora, você precisa descansar. Amanhã é um novo dia, e eu quero que você esteja bem para aproveitarmos nossa nova vida juntas lembre-se, amor. Eu faço isso por nós, e tudo bem, se é assim que você quer. Mas não pense que pode me desafiar para sempre, amor. — Ela se virou e saiu do quarto, trancando a porta atrás de si.

Fiquei sozinha, o som da chave girando na fechadura ecoando no quarto vazio e dentro de minha mente, as lágrimas agora desciam livremente pelo meu rosto. Olhei em volta vendo que agora essa seria minha prisão como a torre da Rapunzel, mas diferente dela eu sentia que não teria um final feliz, me arrependi de imediato só de pensar que passou pela minha cabeça a ideia de que ainda amava Kendall, quando na verdade ela não passa de uma doente obsessiva e agora que tenho minhas lembranças de volta e entendo quem eu sou.

Era inevitável não sentir a frustração. Como pude ser tão burra?

(...)
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𝐎𝐁𝐒𝐄𝐒𝐒𝐈𝐎𝐍| 𝐊𝐘𝐋𝐈𝐄 𝐉𝐄𝐍𝐍𝐄𝐑 Onde histórias criam vida. Descubra agora