Capítulo 1 - Ele é só uma criança, pelos deuses

48 4 8
                                    

Louise


Estar de volta à Casa do Fogo depois de mais de um ano longe é até tranquilizador.

Os sons de passadas rápidas, o aroma único, a familiaridade nas paredes de obsidiana e nas runas desenhadas sobre o teto e o piso me fazem lembrar de como é a vida no Hell — de como é uma vida com civilização.

— Espero que nenhum deles dê tanto trabalho como da última vez que estive aqui — ouço Aren resmungar baixinho.

Contenho uma risada, sentindo-o se inquietar cada vez mais.

— São só crianças.

— São só crianças? — Aren me olha com aquela expressão de incredulidade. — Não pode falar que são só crianças quando não viu como deixaram a casa de cabeça para baixo quando estive aqui mês passado.

Não respondo, apenas sigo o caminho pelos corredores. Ele tentou me falar sobre isso, semana atrás, mas estava ocupada demais na própria mente para conseguir dar atenção. Hoje, no entanto, consigo respirar novamente.

A Casa do Fogo consegue ser a mesma e outra completamente diferente ao mesmo tempo. Talvez a essência tenha mudado. Talvez os novos rostos deem esse ar de quietude, embora eu saiba que ela não permanecerá por muito tempo. Quando entrei nessa casa pela primeira vez, fiquei totalmente boquiaberta para a construção, não havia visto nada igual pessoalmente. Nesse momento, entretanto, é sem dúvidas notável a presença de seres tão pequenos. Alguns pontos das paredes estão riscados, como se tivessem tentado reproduzir as runas do teto, alguns lustres no lugar errado — ou talvez só tenham mudado de posição.

— Talvez voltar tenha sido um erro.

A voz de Aren me faz interromper os passos. Sei que não é apenas o medo das crianças falando por ele.

— Estou bem. Prometo.

Um suspiro é arremessado de sua boca antes que uma sombra surja no final do corredor. Meu sorriso se abre quando reparo em Callen correndo em nossa direção.

— Tia Lise! — O garotinho se joga entre minhas pernas, agarrando o que pode do meu corpo. — Tia Lise, você veio mesmo.

— Ele ainda não aprendeu a dizer Louise, sério? — De relance, vejo Aren franzir as sobrancelhas. — Ele tem o quê, três anos e ainda não sabe falar direito?

Repreendo-o com um olhar.

— Ele é só uma criança, pelos deuses, pare com isso. — Antes que Callen entenda o que Aren disse, o pego no colo. Ele cresceu muito desde a última vez que o vi. O corpo esguio está ainda maior, apesar da idade. — Sim, eu vim, Callen, e trouxe presente.

Os cabelos encaracolados saltando pelas bochechas se agitam ainda mais no momento em que inclino o rosto na direção de Aren, sinalizando para que ele entregue o presente ao garoto. Quase revirando os olhos, ele o faz. Callen não demora um segundo para tirar as botas novas do embrulho.

— Não acredito! Eu amei.

O filho mais velho de Alec é a criança mais estilosa que já vi na vida. Ele ama qualquer coisa que envolva moda. No segundo em que vi as botinhas marrons, pensei em como ele iria gostar. Além de compensar o fato de que não estive presente em um bom tempo da sua vida.

— Imaginei — é tudo o que digo, desviando o olhar.

Sinto Aren acompanhar todo o movimento. Ele pigarreia.

Burning In Hell: O Que Foi Roubado (Livro IV)Onde histórias criam vida. Descubra agora