Capítulo 2 - Eu disse que seria um macho

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Alec


Meus pés descalços fazem pressão sobre o chão aparentemente úmido. Ou talvez seja só o suor escorrendo pelos meus dedos. Não há como não ficar parado enquanto a fêmea que amo está prestes a dar à luz ao nosso segundo filho. Eva tem pegado no meu pé durante os últimos meses porque, supostamente, estou sendo superprotetor com ela. Mas quem não seria? Não depois que Callen quase morreu no nascimento. Não quando quase a perdi. Os perdi.

— Calma, Alec — a voz de A me faz erguer o rosto suado, os fios bagunçados dos meus cabelos deslizando sobre ele. — Seu desespero não vai ajudar em nada.

Um suspiro pesado escapa da minha garganta seca. Preciso de água. Não, preciso que meu filho fique bem. E Eva.

— Não consigo — admito, olhando para os olhos de Callen.

O garoto se aninha em meus braços, que o envolvem em um abraço apertado. Há três anos atrás, nunca imaginei que ia sentir algo tão forte como o que senti quando peguei meu garoto pela primeira vez. Não faço a mínima ideia se os poderes de Demônio dos Sentimentos tiveram uma parcela de culpa nisso, mas foi quase mágico. Aquele corpinho tão pequeno, tão inocente, frágil. Eu soube no momento em que vi os olhinhos verdes de Callen que ali era onde eu queria — deveria estar.

— O que tá acontecendo, papai? Meu irmão vai nascer mesmo? Por que você tá chorando?

Com um sorriso triste no rosto, tento afastar as memórias e o aperto no peito.

— Sim, ele vai nascer, meu amor. E eu estou chorando porque... — sem perceber, meu sorriso se torna genuíno — porque as vezes ajo como uma menininha chorona.

A resposta causa uma gargalhada em Aren, diferente de Callen, que mantém a expressão confusa.

— Mas você não é...

— Tudo bem, as vezes sou, sim. Mas porque, como a Tia Lise disse, me deixo levar pelos sentimentos. Todo mundo faz isso. Eu faço isso, você vai fazer isso um dia. E está tudo bem. Isso só quer dizer que você se importa com quem ama.

De relance, sinto Aren engolir em seco. Ele e a Humana ficaram afastados um bom tempo. Tentei fazer visitas, mas ele estava irredutível. Fiquei até surpreso quando pediram para conhecer Callen, meses atrás, em sua nova casa. Nos primeiros meses sucedidos à vinda de Eva para essa casa foram até tranquilos. Imaginei que Eva e Aren se matariam antes de um ano, mas então a Humana contou que iriam se mudar. É claro que não levei numa boa. Demorou um bom tempo para entender que era o que eles precisavam. E não porque a casa estava cheia de demônios, ou porque a presença de Ellie os incomodava — muito pelo contrário, os dois sempre foram ótimos tios para a garota, apesar de ela ser sempre um lembrete do que aconteceu no Mundo dos Deuses, do que vivemos naquele lugar... quem perdemos — , ou até por Eva. Me custou entender que eles precisavam de um tempo sozinho.

Um tempo bem longo, penso, mas logo uma cortina de fumaça cobre o pensamento quando vejo a Humana passar pela porta, os olhos arregalados. Meu coração trava. As tatuagens queimam minha pele. A sensação de formigamento embrulhando meu estômago.

— Alec...

Sou tomado e arrastado para o passado não tão distante pouco a pouco. As imagens vão se misturando. Callen em meus braços vai se tornando uma ilusão de desespero.

[...]

— Quanto tempo até ele nascer? — Meus olhos tensos encontraram os do Metamorfo.

Ele respondeu apenas com um dar de ombros, o olhar tedioso se manteve até no momento de mais aflito. E tudo bem, quem teria um filho seria eu, não ele. Ainda assim, esperava pelo menos algum... ato de solidariedade... A quem queríamos enganar, não importava que tivesse passado mais de 6 meses, nos dois ainda nos estranhávamos até nos poucos momentos que nos encontrávamos nos corredores da Casa do Fogo. E desde que Eva veio morar conosco, os momentos passaram a ser realmente muito poucos. Só tive tempo para ela. E para nosso bebê dentro dela. Bebê que logo estaria em meus braços.

Burning In Hell: O Que Foi Roubado (Livro IV)Onde histórias criam vida. Descubra agora