Capítulo 27 - Não sei como encontrá-la

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Zion


Sobrevoando acima das gigantes árvores verdes da Floresta da Caveira, consigo ter um pequeno vislumbre da sombra de Louise ao lado de uma rocha familiar. Não faz muito tempo que saí da Casa do Fogo, mas sinto que poderia ter vindo antes. Talvez se tivesse o feito teria impedido as mortes próximas à superfície úmida onde ela se encontra. Ou talvez não. No estado em que está, provavelmente nem o próprio diabo possa conter sua fúria. Sua filha foi levada.

Sigo a escuridão pela copa das árvores. Não há um rugido ou som sequer para comprovar que há algum demônio nesse pântano. É como se Louise tivesse exterminado todos eles, ou os expulsado daqui. A Floresta da Caveira sempre foi um refúgio para os demônios, mas, nesse momento, é para a Deusa da Morte. Ou melhor, para a fêmea que não apenas teve uma filha sequestrada, mas que perdeu um muito antes disso.

Em forma de Grifo, pouso a alguns metros de distância. Não digo nada, obviamente, apenas observo os corpos congelados ao redor da rocha. Louise fez isso. Fez muito mais do que isso. O ar parece mais frio aqui. O inferno todo, na verdade. Mas quanto mais perto dela, mais consigo sentir o arrepiar em meus pelos.

A Floresta costuma ser escura mesmo durante o dia, mas hoje está ainda mais. As nuvens cinzas cobrem os últimos resquícios de luz.

— Se veio aqui para me levar de volta — a voz rouca de Louise me faz inclinar o pescoço de gavião para o lado — , pode dar meia volta e retornar à Casa do Fogo. Não vou embora. — Ela olha de relance para o céu. — Não agora.

Ainda na forma animal, ouso me aproximar. As patas traseiras vão deixando marcas sobre o chão à medida que passo pelos corpos sem vida. E só me transformo em minha forma corpórea quando tenho certeza de que posso o fazer.

— Eu sinto muito. — Não há palavras para suprir sua dor nesse momento, mas é o que tenho a dizer.

Louise não me espreita quando murmura:

— Eles não quiseram me falar onde estava minha filha. — Os corpos petrificados abaixo da rocha. — Talvez estivessem falando a verdade sobre não saberem, mas... não consegui segurar meu poder. Ele agiu por conta própria.

Assim como quando estávamos no Mundo dos Deuses, quando ela supostamente havia matado Raven. Mas, diferente daquele dia, Louise não parece nenhum pouco satisfeita pelo que fez. Muito pelo contrário, ela estuda os rostos congelados como se quisesse os desvendar, talvez pensando que eles podem ter famílias, alguém que se importe com eles. Ou talvez só esteja pensando em Luna.

— Eu... acho que entendo o que está sentindo agora.

Consigo ganhar a atenção de Louise. Ela irrompe o contato com os corpos imediatamente, erguendo o rosto até mim. Só então consigo ter uma visão clara de como está seu rosto. Coberto de sangue. Talvez tenha lutado contra os demônios antes de matá-los. Os olhos... estão vazios. Não há nada além de dor em sua íris. E, de alguma forma, consigo enxergar compreensão ali.

Engulo em seco, apertando suavemente os dedos das mãos. Nunca contei isso para ninguém, a única que sabia era a Esfinge, e ela não está mais aqui.

— Ninguém sabe, mas... tive um filho. — Não é surpresa nos olhos de Louise, mas algo semelhante a aflição, como se soubesse minhas próximas palavras. E isso talvez a leve a pensar não apenas em Luna, mas em seu primeiro filho. — Ele... morreu.

Ela me encara por muito tempo antes de perguntar:

— O que aconteceu?

Meus pulsos tremem com a lembrança dolorosa. Ela esteve presa na minha garganta por tanto tempo. Talvez seja o momento. Talvez colocar para fora seja a forma de me libertar de toda a dor que me acompanha durante todo esse tempo.

Burning In Hell: O Que Foi Roubado (Livro IV)Onde histórias criam vida. Descubra agora