21

1.5K 135 43
                                    

- Minha filha mas esse lugar é muito perigoso! - Minha vó fala enquanto fecho a minha bolsa.
- Vovó é trabalho da faculdade, não posso faltar. - Falo segurando sua mão. - Vou me cuidar e vai ficar tudo bem, volto cedo!
- Que Deus te proteja minha filha.

Eu estava animada para conhecer a ONG, ter o primeiro contato com aquelas crianças e adolescentes, levar edução, informação e inclusão. Era isso que eu almejava, esse era o meu propósito!

- Não tá subindo carro desconhecido no Turano senhora, só posso ir até a entrada. - O motorista do Uber fala e eu o olho confusa pelo retrovisor.
- Por que não está subindo carro? - Pergunto agora olhando em volta.
- O Bope tá tomando o lugar, todo dia tem operação. - Ele fala me fazendo ficar ainda mais confusa.

Beto não falava nada relacionado ao seu trabalho quando estávamos juntos e sempre que eu perguntava sobre algo do trabalho ele mudava de assunto. Não sabia das operações no Turano e não me surpreendia o Beto não ter me contado.

- Quando começou? - Pergunto curiosa. - As operações.
- Há 3 dias atrás. - O motorista fala. - Estão fazendo as vidas dos moradores um verdadeiro inferno.

Fico em silêncio e logo ouço a notificação no meu celular.

✉️ Alice
Já estou na ONG
Onde você está?

✉️ Clara
No Uber
Todo mundo já chegou?

✉️ Alice
Só falta você!

Olho mais uma vez a mensagem e logo o carro para. Percebo que estamos na entrada do morro e pego minhas coisas agradecendo o motorista. Não conhecia nada aqui, Alice não quis me esperar e foi com o resto da turma. Concordei com isso porque pensei que estava entrando uber no morro mas depois do que o motorista falou, percebi que nem mototáxi estão autorizando.

Abro o WhatsApp olhando a localização e respiro fundo tentando raciocinar. Tento mandar mensagem para Alice mas a mesma não me responde.

✉️ Clara
Amiga vou seguir o GPS
Será que alguém pode me encontrar no caminho?

Espero alguns minutos mas não obtenho respostas, eu já estava na favela, não compensava voltar e perder um dia importante só porque alguém não quis me esperar.

- Que se dane, eu vou sozinha. - Falo baixo olhando mais uma vez a tela do celular.

Ando por 10 minutos no máximo e ouço barulho de fogos e o vapor quente do carro próximo a minha perna.
Ouço barulho de tiros e dou três passos para trás, observo algumas pessoas correrem mas como não conhecia nada ali permaneço no mesmo lugar que estava e mesmo se eu quisesse correr seria impossível, eu estava paralisada, completamente paralisada.

- Não vai subir ninguém, vai subir ninguém. - Ouço a voz inconfundível logo que a porta do carro abre. - Todo mundo aí quietinho.

Beto não percebe a minha presença, ele não sabia que eu estava ali. Sinto uma mão em meu braço esquerdo e olho para trás.

- Saí daí tia, quer levar um tiro e morrer? - Um menino de no máximo 14 anos me puxa para o beco. - Fica abaixada, não levanta por nada.

Confirmo com a cabeça em silêncio, eu estava assustada. Não conseguia falar, minha boca estava seca e minhas mãos suadas.
Os barulhos dos tiros ficavam cada vez mais altos e minha respiração cada vez mais ofegante.

- Tem gente no beco Capitão. - Ouço a voz de um dos homens e fecho os olhos ainda ofegante.
- Vê quem é e me fala 02. - Beto dá as ordens e logo o policial segue em nossa direção.
- Mãos atrás da cabeça e levantam devagar. - Ouço a voz do policial mas não consigo me mover. - Mandei levantar porra, tá surda?
- E eu... Desculpa é que.... - Tento falar mas não conseguia formar uma frase completa.
- Cala a boca, vocês moram aqui?
- Eu não moro. - Falo rápido piscando algumas vezes.
- E você moleque. - Ouço mais uma vez a voz do policial.
- Moro sim senhor, estou voltando da escola. - O menino ao meu lado fala com calma. Ele parecia acostumado com aquilo e isso me deixou bastante abalada.
- Porra Mathias tá demorando pra caralho aí. - Ouço a voz do Beto se aproximar.

Meus olhos se cruzam com os do Beto e ele relaxa um pouco o rosto mas logo volta com o semblante sério novamente.

- Eu assumo aqui Mathias. - Fala ainda me fuzilando com os olhos.
- Sim senhor, o moleque tá voltando da escola. - Mathias fala e o Beto encara o menino.
- Voltando da escola filho? Deixa eu ver sua mochila. - Beto fala tomando a mochila da mão do menino. - Esse aqui é seu material? - Fala mais uma vez tirando um pacote de drogas de dentro da mochila.

Olho para o menino assustada e ele se mantém firme e calmo.

- 02 - Beto grita e Mathias que estava na metade do caminho para virando seu corpo em nossa direção. - Leva o estudante pra delegacia junto com a carga que tá na mochila. - Beto fala e fica em silêncio por alguns segundos me encarando sério. - A moça aqui também.

Com amor, Capitão Nascimento Onde histórias criam vida. Descubra agora