All The Missing Pieces

You're just a small bump

Entro em casa atordoada, ainda tentando entender o que aconteceu e agradecendo aos céus por não ter causado um acidente e por Carlinhos ter conseguido parar o carro. Não gosto nem de pensar no que teria acontecido se eu estivesse dirigindo sozinha ou em uma velocidade maior. Jogo minha bolsa no sofá e cumprimento Marlindo, que abana o rabinho mas não se levanta.

- Neném preguiçoso. - Digo, beijando sua cabecinha antes de ir para meu quarto trocar de roupa, a sensação que senti no carro ainda em meu estômago. E se... - Não, Isis, tá doida? - Me jogo na cama, afastando pensamentos intrusivos, provavelmente causados pela saudade que estou de Giovanni misturada com a mágoa pela forma como ele tem me tratado. Cada vez que o vejo no hospital, sofrendo pela situação do pai, preciso me segurar para não ir até ele e consolá-lo, dizer que vai ficar tudo bem, que eu estou com ele. E cada vez que ele é estúpido comigo, cada vez que ele me afasta grosseiramente ou simplesmente me ignora, ele me destrói um pouco, embora eu tente não demonstrar. Eu o amo tanto que é como se parte dele estivesse em mim, ainda que nesse momento ele esteja fazendo de tudo para destruir esse amor. Pego o celular para me distrair mas, ao invés disso, fico passeando pelas fotos dos lugares que eu e Giovanni íamos visitar em nossa viagem antes de tudo virar de ponta cabeça. Ouço duas batidas na porta e tia Marlene entra em meu quarto.

- Oie. - A cumprimento.

- Oi, meu amor. Tá se sentindo melhor? - Ela senta na ponta da cama.

- Eu tô um pouco enjoada ainda, tia. - Coloco uma mão na testa e outra em meu estômago. - Mas... sei lá, acho que é alguma virose ou estresse. - Me sento, tentando não pensar na possibilidade de mais cedo. - Aiii... - Me inclino pedindo colo e ela me abraça. - Eu ando tão à flor da pele, chorando por qualquer coisa. - Ela ri. - Motivo é o que não falta, né?

- É... - Ela fala em um tom que eu já sei que tem mais por vir, então saio de seu colo e fico de frente para ela. - Pode ser tudo isso que você tá dizendo, mas... - Ela procura algo escondido atrás de si e me mostra. - ...também pode ser isso.

Dou uma risada nervosa e ela ri comigo quando vejo o que ela tem nas mãos.

- Teste de gravidez, tia? - Pergunto, como se a ideia fosse insana, mas minha mente trabalhando e me dizendo que no fundo, eu já desconfiava que pudesse ser isso. - Tá viajando. - Digo e ela continua rindo. - Tia, você tá viajando. - Repito, querendo afirmar isso mais para mim que para ela.

- Ah, tá bom. - Ela para de rir. - Vai dizer que você e o Gio nunca se descuidaram?

- Tia... - Olho para o nada, podendo me lembrar de uma dezena de situações em que Giovanni e eu ignoramos qualquer risco.

- Anda. - Ela sacode a caixinha na minha cara. - Faz o teste, anda. - Puxo a caixa de sua mão e ela gargalha.

- Por que você tá rindo? - Pergunto, me levantando. - Já volto, você vai ver.

Vou até o banheiro e nem percebo que minhas mãos estão suadas e tremendo até tentar abrir a caixinha, em busca de instruções. Faço xixi no pequeno coletor e coloco a tira em contato com o líquido, meu coração parecendo que vai sair pela minha boca a qualquer momento. Não preciso esperar todos os minutos descritos no papel, já que quase que automaticamente duas listras vermelhas aparecem, indicando algo que eu já sabia, mas que tentava de toda forma negar. Pego a tirinha, chacoalhando levemente na pia e, em uma espécie de transe, volto para o meu quarto, onde tia Marlene permanece no mesmo lugar.

- E então? - Ela pergunta e eu mostro o teste para ela, que sorri tão verdadeiramente que eu me permito também fazê-lo, sentindo mais uma vez um choro sair não sei de onde e tomar conta de mim.

- Deu positivo. Tô grávida. - Falo em voz alta, pela primeira vez, deixando que essa verdade entre em mim, antes de ser tomada por um medo cortante ao me lembrar do pai do meu filho e de nossa situação. - Do Giovanni.