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LEANDRO

Eu e dona Olívia fomos pra casa de uber. Ela foi calada e pensativa, eu também.
Chegando em casa eu tomo coragem e peço desculpas a ela.

_ Me desculpa dona Olívia, eu tô muito envergonhado pelas coisas que te falei..

Ele põe a bolsa no sofá e me olha pensativa.

_ Sabe filho. Quando Guilherme decidiu seguir os passos do pai e se tornar delegado eu quase infartei, eu não o queria naquela profissão. Foram muitos anos de insegurança e medo vivendo ao lado de um delegado, eu parecia esperar que um dia alguém da delegacia iria me ligar dizendo que havia acontecido o pior. Nós casamos jovens, eu com vinte e dois anos e ele com trinta, Guilherme já era delegado e eu me formei professora de matemática uns anos depois. Relutei muito em engravidar, relutei por anos. Eu tinha medo, meu marido era delegado e eu tinha medo de o perder e criar um bebê sozinha mas aí os anos foram passando eu amadurecendo e passei a entender que não somos imortais, somos todos aptos a morrer a qualquer momento por um tiro, um ataque do coração, engasgado, atropelado... Leandro o que quero dizer é que você não deve sabotar o relacionamento de vocês e largar o Guilherme por causa da profissão dele, por medo dele...

Ela abaixa a cabeça com os olhos embaçados.

_ Dona Olívia..

Mas ela não me escuta e continua falando.

_ ...  já pensei como você, já achei que ser mulher de um delegado foi a minha pior escolha mas eu estava muito enganada, ser a mulher dele foi a minha melhor escolha pois viver ao lado dele foram os melhores anos da minha vida, eu teria feito a pior escolha se tivesse deixado o medo me dominar e ter escolhido outro caminho que não fosse ao lado dele. Piores escolhas é quando deixamos o medo nos dominar e por causa disso não vivemos uma vida feliz. Minha melhor escolha também foi quando decidi engravidar e aos trinta e quatro anos fui presenteada pelo meu Guilherme, o meu amor. O Marcos meu marido, não morreu em serviço como sempre temi, ele morreu a seis anos atrás praticando uma caminhada no parque como fazia todos os dias, viveu a tão sonhada carreira de delegado com muita eficiência e morreu depois de aposentado, um mal súbito o levou numa simples caminhada não a profissão de delegado...

Ela já está aos prantos e eu também.

_ ... eu já tive com ele uns sustos como esse que aconteceu hoje com o Guilherme e te afirmo que nunca irei me acostumar, é difícil e é aflitivo conviver com isso, como eu disse eu não queria que ele seguisse os passos do pai mas não pude fazer nada, é o que ele gosta e sabe fazer, ele ama a profissão de delegado..

_ Eu sei.

Abaixo a cabeça e sorrio com o que ela diz.

_ ... é ele te ama também, não esquece isso, não esquece de também de viver intensamente tudo que te faz feliz, tudo que você quiser porque não somos eternos e a cada dia que passa estamos mais perto do fim, então não fique se sabotando com medo de sofrer, apenas viva o hoje como se fosse seu último dia, sendo segurança ou delegado de um jeito ou de outro, todos um dia iremos partir..

Eu a abraço decidido a fazer algo que deveria ter feito a muito tempo, como estive errado, quanto tempo perdi inseguro e com medo, mas antes preciso cuidar da minha mãezinha do coração.

_ Me deixa cuidar da senhora?

_ Eu só vou me deitar meu querido..

Eu olho pra ela

_ A senhora me disse várias vezes que me considera um filho, me deixa cuidar da senhora. Come um pouquinho, eu havia feito o jantar.

_ Tá bom, irei comer um pouquinho em consideração que você me ouviu.

_ Ouvi e guardei cada palavra que me disse tá. Amanhã preciso fazer uma coisa antes de ir ao hospital mas eu vou.

_ O que irá fazer?

_ Fique tranquila. É algo que eu já devia ter feito, não é nada demais.

_ Se você diz.

Sentamos pra comer e nem eu e nem ela estamos com fome, por isso comemos pouco e ela vai pro quarto enquanto limpo o que sujamos na cozinha. Depois tomo um banho em meu quarto visto uma cueca e me deito, fico rolando na cama e quando entendo que não conseguirei dormir aqui, vou ao quarto de Guilherme, pego uma camisa dele em seu closet e me deito em sua cama. Só aí durmo e só acordo pela manhã com cheirinho de café na casa. Me levanto, faço minha higiene, tomo um banho rápido e vou a cozinha.

_ Bom dia.

_ Bom dia meu querido. Dormiu bem?

_ Não consegui dormir em minha cama, fui ao quarto de Guilherme e dormi lá.

_ Que bom! Isso significa que ficou com saudades e irá cuidar dele quando vir pra casa, eu já estou velha e ele é bem folgado quando está doente.

_ Dona Olívia..

_ O que faço pra parar de me chamar de dona? Ontem me convenceu a comer afirmando que é meu filho, um filho não me chamaria de dona.

_ A senhora tem um ponto.

_ Ok desisto. Dona é melhor que senhora.

_ Me liga qualquer coisa tá, não irei demorar mas me mantenha informado.

_ Tá bom. Me desculpa por ontem, só queria te poupar e reconheço que foi uma péssima idéia.

_ Foi mesmo.

Chamo um uber pra ela e um pra mim, o dela chega primeiro e o meu em seguida. Chego rapidamente no cemitério, compro flores na mesma floricultura que comprei das outras vezes e entro, caminho devagar entre os túmulos e me sento no chão, perto do túmulo de Lúcio.

_ Oi Lúcio. Hoje eu vim me despedir de você.

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