Capítulo IV - Pedido

135 14 15
                                    











•••





Parada na frente do espelho do banheiro com as mãos na bancada da pia, com os cabelos emaranhados por causa da bagunça que o vento fez, por causa da velocidade em que o cavalo me trouxe, com a respiração ofegante, porque eu estava rindo de nervoso, mas desesperada, me olhando com olhos esbugalhados, desacreditada do que tinha acontecido ou do que estava prestes a acontecer.
Essa é a cena.





Ele ia me beijar?
Ele ia me beijar.
Mais risos. De nervoso.





— Que isso, Aurora? — ri de novo da minha falta de noção, me olhando refletida no espelho.





Mal sabia o que me esperava.





Não, ele não seria tão descarado assim.
Ele não é retraído mas também não é desrespeitoso. Tanto que não me segurou quando eu saí correndo como uma doida desvairada, parecendo uma donzela do século passado. Que cena ridícula.





Batidas na porta.
Coração disparado.





Saí do banheiro e parei em frente à porta do quarto, muda.
Silêncio.





Mais batidas.
Mais silêncio.





— Aurora, eu sei que você tá atrás dessa porta, tô vendo a sombra dos seus pés.





Segurei a risada. Era Inácia.





— Tá sozinha?





— Tome tento. Inocêncio não tá na casa e nem se tivesse passaria por cima de uma ordem minha. Burro ele pode até ser, mas doido ele ainda não tá.





Abri a porta e acatei uma postura séria, controlada. Mas Inácia não é boba.
Eu me entreguei quando disse a ela que não era para Inocêncio me incomodar mais.





— Desculpe. Entra Inácia. — Depois que ela entrou, passei a chave na porta.





Sentei na cama e chamei ela para sentar comigo.
Contei para ela tudo o que tinha acontecido.
E para minha surpresa, Inácia não se surpreendeu. Viria aí uma conversa séria.
E eu me desarmei.
Na verdade, eu chorei.
Inácia me abraçou e eu me deitei com minha cabeça em seu ombro, sentindo um afago que eu nem sabia que precisava tanto.
Um choro atrasado, mas também um choro recente por ter tido um momento como esse com Inocêncio depois de tanto tempo longe.





Quando me separei de Inocêncio, eu não conversei com ninguém. Eu nunca tinha colocado para fora toda a dor, a angústia, a mágoa, nada.





— Chore minha filha, porque o que você achava que tava morto e enterrado dentro de sua cabecinha, tá vivinho no seu coração. Você só precisou vir até aqui, pra sua casa de verdade, para descobrir isso.
Eu me lembro bem quando você foi embora, Aurora, resolvendo um casamento como se fosse um negócio.





Doeu.





Mas foi Inocêncio quem começou com isso primeiro.






Sequei as poucas lágrimas que tinham caído de meus olhos e olhei para Inácia intercedendo para que ela me falasse tudo o que eu não quis ouvir lá atrás e queria ouvir agora. Eu precisava.
E ela falou.





Falou que no meu lugar também colocaria um basta em toda aquela situação e que se separaria sim, porque o modo que Inocêncio estava vivendo para o trabalho não tem mulher que se preze no mundo que aguente o que eu aguentei. Mas falou também que eu poderia ter dado a ele o benefício da dúvida quando ele me procurou tempos depois.
E não foram uma, nem duas, nem três vezes. Foram várias.





TEMPO REIOnde histórias criam vida. Descubra agora