Capítulo V - Meu Coração

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Depois de minha conversa com Inácia eu perdi totalmente a fome.
Eu não quis descer para não correr o risco de me encontrar com Inocêncio. Não daquele jeito.
Eu estava com medo.
Com vergonha.
Depois dessa conversa, sentimentos que eu achava que estavam mortos só estavam mesmo esquecidos.





Sabe toda aquela teoria de decisão certa? Estava meio que acabada.
E toda aquela glória de mulher decidida que sabia o que queria e não voltava atrás de uma decisão tomada e blábláblá? Acabada.
Eu estava enlouquecida de tantos pensamentos em tão poucas horas por tão pouca conversa.
Inácia não alugou um triplex na minha cabeça como dizem por aí. Não. Ela alugou uma fazenda inteira.
Toda a teoria e a prática da minha separação desmoronaram diante de mim.





Toda uma vida perfeita terminada pelo fim de um casamento quase perfeito.
Digamos que eu não tenha sido uma pessoa que idealizava a minha vida, mas a forma como ela aconteceu até certa parte do meu casamento, foi sublime.
E quando ele acabou, foi infame.
Então, na minha forma de ver e viver, eu tinha que tomar uma decisão rápida para não continuar sofrendo. Eu tinha que continuar era vivendo.
Aí o divórcio.
O divórcio que Inocêncio nunca me deu de fato.
Mas eu me obriguei a ir embora, porque queria continuar vivendo, mesmo que sozinha. Seguir a minha vida. E segui.





Levei João comigo. Ele tinha 7 anos na época, então Inocêncio não relutou. Eu sempre mandava ele para a Bahia nas férias. Quando o garoto fez 15, quis ir morar com o pai. Permiti porque me pareceu justo. Criar João com liberdade era um deleite para mim, era como se eu estivesse honrando a memória dos meus pais, que na verdade foi naturalmente arraigado em mim.
Nunca deixamos nossos problemas interferir na vida dele, até porque ele não tinha nada a vê com os problemas dos pais. Conversamos os três juntos para que ele pudesse entender, do jeito dele, o que estava acontecendo e como as coisas mudariam e aconteceriam dali por diante.
João era compreensivo e amoroso, como Inocêncio era. Todo esse tempo ele nunca nos persuadiu, sempre nos respeitou.
Só agora começou a fazer gracejos depois que lhe falei que voltaria para Ilhéus por causa dos problemas da fazenda de Minas.





Dez anos.
Não são dez dias, nem dez meses.
Eu protelei esse tapa na cara que Inácia me deu por uma década. Um década inteira, fechada.
E agora estava tudo diante de mim outra vez. Mas agora com um olhar diferente.
A dor, a mágoa, a angústia eu já não sentia mais. Ela estava presa e só precisava ser liberada.
Por muito tempo vivi com esses sentimentos. Eles não me mataram, porque eu segui em frente, mas eles me prenderam de algumas coisas.
A mente realmente se torna uma prisão quando deixamos as reflexões, meditações, ponderações tomarem conta. Mas as vezes, na maioria delas, apenas um diálogo é o suficiente.
Ninguém vive de monólogo, dona Aurora.





Mas nem todos esses dez anos foram vividos errados.
Nos primeiros cinco, Inocêncio ainda me procurava para tentar me dar explicações. E eram sempre as mesmas. E eu nunca entendia.
O que eu sentia já era raiva. É por isso que eu falo que foi a decisão acertada.
Nos outros cinco, nada.
Foi a última vez que nos vimos.





Eu passei um ano inteiro mal, admito.
Eu chorei a separação sem brigas.
Foi quando também comecei a me curar, deixando de ouvir tantas desculpas e pedidos de perdão sem nenhum reconhecimento de erro de Inocêncio.
Eu me senti em paz pela primeira vez sozinha, como antes do casamento, antes de conhecê-lo.





Vendo-o depois disso tudo, estou começando a achar normal as reações que tive até aqui.
Muita confusão nessa cabeça, que estou abrindo agora.
Se eu acredito na mudança porque vejo ela em mim todos os dias, porque não acreditar na mudança dele?
Os indícios eu já tinha. O puxão de orelha de Inácia também. O que faltava agora era ouvir Inocêncio.
Mas ele também teria que me escutar.





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