01. Excêntrico, como um romance clichê

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O cheiro de café e doce era o perfume presente na pequena casa de Shen Ricky, enquanto ele, ironicamente, bebia uma gelada lata de coca-cola, por incrível que pareça, aquele líquido escuro, bem parecido com café, agrada seu paladar tanto quanto. Não era tão relaxante quanto beber uma boa xícara de cafeína com bastante açúcar, mas não era de todo ruim na hora de ler seu livro, o qual estava achando um tanto entediante, uma saga romântica, um gênero que estava consumindo aos montes nos últimos tempos. A cada batida em sua porta já se animava pois sabia que era o entregador da biblioteca da cidade.

Tanto conhecimento tinha, que nem mesmo o mundo era preciso ver. Naquelas páginas amareladas tinha tudo o que era preciso para saber como eram as pessoas, algumas vezes saindo um tanto da realidade, mas ele, Shen Ricky, preferia acreditar do que encarar a verdade sobre o mundo fora de sua sacada.

O excêntrico Shen Ricky, em sua concepção, todos nessa vida tem semelhanças, seja na personalidade tão correlato da época, ou a aparência, afinal, eram novas modas, e, vendo pela sacada, Ricky via o quão gêmeo cada um ali era, as roupas coloridas das mulheres, as calças que sempre achou ter um tecido muito esquisito, mas nunca interessado realmente em sentir a textura. Homens em all black, ou o estilo rebelde sem causa, realmente parecia que estava vendo diversos covers de integrantes do The Smiths (banda pela qual Ricky nutria um grande descaso) passando pela calçada próxima a sua casa. Sentia como se fosse o único que não havia saído da década passada ainda.

Ricky tinha uma personalidade facilmente encontrada em livros de romance clichês; uma gentileza sem igual; uma beleza genuína; amante de coisas clichês que nem ele mesmo sabia que eram tão redito em qualquer um de seus cartapácios alugados, Shen não era tão igual quanto pensava, apenas procurava pessoas como ele em lugares errados, em histórias erradas, talvez fosse até mesmo proposital. Ele gostava de se sentir único, como se fosse uma espécie rara de humano, quando, na verdade, era tão entediante e igual como qualquer outro.

O garoto em seus 19 anos de idade não saía de casa desde a morte de seus pais, há cinco anos atrás, viveu escondido ali, como se não morasse ninguém, fazendo o máximo possível para a assistência social não o encontrasse, e o doce senhor Park, dono da padaria na qual ele morava logo em cima, fez o favor de o deixar em sua casa. Era bom, todos os dias, às dez horas da manhã recebia um café digno de realeza, era incrível como se mantinha tão magro comendo tantas porcarias. Ligava a rádio na estação onde passava as músicas mais tocadas da década, senão do século, e lá ficava em sua sacada o dia inteiro. Hora vendo o movimento e julgando cada pessoa com seu olhar crítico, porém ignorante, e outrora lendo o livro da semana. A biblioteca ficava a poucos passos de sua casa, porém, como dito, o loiro não saía de casa para nada nessa vida.

Ele costumava pensar que a liberdade não era tão bonita e boa de se sentir, pois, quando se há liberdade, está sujeito a qualquer outro tipo de prisão. Conhecer pessoas novas, para Ricky, era uma prisão, na qual você se via todo dia conversando com alguém, criando afeto, um laço, e ele não queria aquilo.

Mas, apesar de não querer nada disso, Shen era um romântico assumido, acreditando na hipótese de que cada um havia sua alma gêmea, e ele, como uma verdadeira pessoa excêntrica, achava que seu par para a vida era alguém exatamente a ele. Não como um reflexo, apenas como um igual, dois números pares, dois pares de sapato, enfim, era uma crença um tanto impossível, e era exatamente por esse motivo que acreditava, era impossível. Ou seja, sim, Shen Ricky planejava morrer sozinho, porque ninguém nunca será o suficiente para ele.

O vento movia as folhas do livro que estavam em suas mãos, seus olhos tentam se concentrar na leitura, mas seu cérebro já ficava cansado de olhar aquelas letrinhas e fazer a interpretação do capítulo, então apenas mantém o livro abertos em mãos, olhando, agora, a movimentação da rua. O sol já estava se pondo, afirmando que a noite estava por vir, e a solidão costumeira de Shen Ricky, vinha junto a ele.

Mesmo que não quisesse admitir, a noite era seus piores momentos, além do frio que as ruelas de Anyang fazia, era escuro, e quase ninguém passava pelas ruas, vez ou outra via alguém indo embora para casa ou vindo de alguma festa, mas nada movimentado e alegre como o dia. Não havia o Sol para iluminar cada canto daquele bairro, o barulho de vozes e risos era nulo, as buzinas de carro, tão irritantes, não era ouvida. Era apenas sua respiração e o chiado do som do rádio. O garoto loiro se sentia triste nessas noites, principalmente as frias, que pareciam tão mais apartada.

Suspirou, imaginando que essas seriam mais uma daquelas noites, onde se deitava em seu sofá e se deixava pensar em absolutamente nada, ou criar histórias em sua cabeça até o sono dar o ar da graça, e seu dia seguinte se repetir.

Durante seus devaneios, escutou gritos vindo da padaria abaixo. Foi mais próximo da sacada e viu o filho do senhor Park, Park Gunwook, gritando com um rapaz de cabelos pretos, que tirava o avental branco, sujo de, aparentemente, calda de chocolate.

— Escute aqui seu adolescente miserável, não ouse pisar nessa padaria se não quiser levar uma bofetada!

— Qual é Gunwook, não seja um mala, eu preciso dessa grana! — o rapaz respondeu, parecendo verdadeiramente arrependido. E com aquelas gírias, Ricky já soube: nada diferente, outro projeto de The Smiths.

O garoto apenas pegou o avental de suas mãos e entrou para dentro novamente. Shen não podia negar que ele era bonito, os cabelos pareciam mal cuidados, mas, ainda assim, bonitos, tão pretos quanto carvão. O rapaz percebeu que alguém lhe olhava intensamente, então deu alguns passos para trás e levantou a cabeça, vendo um certo loiro com um olhar curioso.

Ricky rapidamente colocou seu livro na cara e foi correndo para dentro de sua casa, fechando a porta de sua sacada. Não gostava de ser fuxiqueiro, mas naquela confusão e com aquele garoto, foi impossível não se sentir interessado.

Seu coração batia fortemente, como se estivesse em alto risco de adrenalina, o que era um tanto estranho, afinal, foi apenas um olhar e nada mais.

Fui pego no flagra, então deve ser isso. — pensou.

— Uff, isso foi estranho! — disse, caminhando até a cozinha, olhando seus armários e pegando uma garrafa de leite. — Não é como se eu fosse vê-lo novamente.

1982 AnalogiasOnde histórias criam vida. Descubra agora