Envelope Selado

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Voltei para a escola um tempo após almoçar na tentativa de descobrir uma parte da rotina de Maria Luisa. Eu também precisava de um apelido para me referir a ela nas minhas reflexões e conversas comigo mesmo, e decidi que seria "Malu".

Como ela havia perguntado sobre a sala de estudo, deduzi que ela deveria estar lá, então foi o primeiro lugar que procurei. Bingo. Assim que abri a porta e enxerguei-a, disfarcei imediatamente: me virei para a estante de livros na parede, dando as costas pra ela. Eu queria vê-la, mas acima disso, não queria que ela me percebesse, pois ela sem dúvida acharia estranho se eu começasse a segui-la.

Dessa vez quem usava capuz era eu, e por mais que eu não tinha dúvida que ela percebera minha presença, tinha ainda uma outra certeza: ela não vira meu rosto. Não queria que ela me marcasse.

Eu fingia que procurava algum livro específico, sem tentar parecer suspeito e de ouvidos atentos, mas era óbvio que não descobriria nada por ouvir ela lendo, então peguei meu celular do bolso e fingi ver o horário, depois que a tela apagou usei o reflexo para ter pelo menos um segundo para olhar na direção dela. Ela estava olhando pras minhas costas por cima de seu livro, não era acadêmico, mas sim um livro de história mesmo, desses que se lê por diversão. Na capa lia-se "Os Miseráveis". Não era muito, mas era suficiente para saber que ela gostava de ler, e até o tipo de livro que ela lia.

Contente com as informações que já tinha conseguido, aproveitei mais meio segundo do reflexo para apreciar sua face atraente e guardei o celular no bolso, indo para a saída da sala como se não tivesse encontrado o livro que estava procurando sem mostrar minha face à ela em momento algum.

Sentei-me num ponto do pátio onde eu conseguiria monitorar de longe ambas as saídas do colégio, assim veria-a saindo independente de qual ela utilizasse. Aproveitei o momento para fazer uma breve pesquisa sobre o livro que ela lia. Digitei o título no Google e abri a página da wikipédia. Aparentemente era um romance que se passava na França e lotado de críticas sociais.

Nunca tinha lido essa obra em específico, mas eu adorava esse tipo de conteúdo cheio de críticas que aponta os problemas da sociedade e, aparentemente, ela também gostava. Apaixonei-me ainda mais.

Abri o meu fórum de pirataria favorito e digitei o nome do livro. Achei-o bem rápido e cliquei em download, mas iria lê-lo apenas em algum outro momento.

Depois de muito enrolar, finalmente vi-a descendo a escada para o térreo e indo para a saída B. Eu costumava usar a A, pois a B não tinha lugar para guardar bicicletas. Contente com tudo que eu já tinha conseguido, decidi que seria imprudente tentar segui-la e correria um grande risco de ser notado. Fui para o portão A, peguei minha bicicleta e fui pra casa.

♧◇♧

Meu segundo dia de aula começava, e apesar de eu ter escolhido um lugar diferente de ontem pra sentar na sala, Mariana, minha nova colega, se sentou atrás de mim assim como ontem. Ela me cumprimentou assim que chegou, mas não disse nada mais.

- Esse professor aí é muito chato! - Mari manifestou seu desgosto para mim assim que nosso professor de história geral entrou na sala

- Por que? - questionei, curiosa

- Ele não respeita os alunos, não vai com a cara de ninguém, e ainda por cima ensina super mal

- Sério?

- Sim! Além disso, não sei se é verdade, mas já disseram que ele já assediou algumas alunas - agora sim o assunto se tornara sério para mim. Tolerar um professor chato? ok. Tolerar um assediador? impossível

- Bom, obrigado por avisar, vou ficar distante dele

♧◇♧

Assim como ontem, Mari saiu da sala assim que o sinal do intervalo tocou, me deixando sozinha. Ela não era uma amiga próxima, mas era a única que eu tinha naquele lugar. Todas as minhas outras amigas e amigos ficaram para trás quando mudei de escola, pensar em como Mari saiu sem mais nem menos e me deixou aqui sozinha me deu saudade dos meus antigos amigos. Mas não julgo ela, afinal ela acabara de me conhecer e com certeza ela tinha outros amigos naquele colégio.

Depois de uma discussão interna entre ficar e sair, decidi sair da sala pra tomar um ar antes que as aulas continuassem. Fui até o pátio, no térreo. Estava bem frio. Era um lugar bem amplo com chão de pedra, uma única árvore isolada em um canteiro apertado era rodeada por bancos com alguns alunos. Uma cantina atendia algumas dezenas de pessoas que saíam de lá portando salgados e sucos. Do outro lado do pátio havia uma quadra coberta em que alguns alunos jogavam futebol de salão.

Enxerguei Mariana atravessando o pátio junto com três outras garotas, elas conversavam animadas. Nunca tinha visto aquelas garotas, com certeza não eram da minha sala. Isso explicaria o porquê de Mariana ter feito amizade comigo tão fácil, provavelmente as amigas dela foram colocadas numa classe diferente da dela e ela ficou sem amigas pra conversar durante a aula.

Dei uma voltinha no pátio para esticar as pernas e voltei para minha sala, pouco tempo depois o sinal bateu indicando a continuação das aulas. No geral as aulas do período da manhã passaram até que rápido, e num piscar de olhos o sinal do almoço soava. Para alguns esse sinal indicava a hora de ir embora, mas eu ainda teria mais aulas a tarde hoje, pois era terça feira

Mais uma vez, esquentei meu almoço no micro-ondas e sentei-me para comer. Mariana apareceu logo depois com um almoço comprado na cantina do colégio e perguntou se poderia se sentar comigo. Obviamente concordei. Tivemos alguns poucos minutos para conversar, até que as mesmas três amigas de Mari apareceram.

A primeira delas era loira, tinha a mesma altura que Mari - um pouco mais alta que eu - olhos claros e cabelo comprido. Ela usava uma pulseira nas cores da bandeira lésbica. A segunda tinha cabelos bem pretos, mas diferentemente dos de Mari, eram lisos e mais curtos. Era um pouco mais baixa que Mari, mas mais alta que eu. A terceira era ruiva e tinha sardas no rosto, cabelo comprido e ondulado, bem mais alta que todas nós. Seus olhos eram castanhos bem escuros.

- Você se importa se elas sentarem junto com a gente? - Mari me perguntou

- Ah... Pode ser - fiquei com vergonha, mas aceitei mesmo assim

As três se sentaram na mesa e conversaram sobre diversos tópicos durante o almoço. Eu não conversei muito, mas tive uma ou outra participação. Pelo menos não fui excluída. Pelo que pude entender, a Loira se chamava Clara, a de cabelos escuros, Maria Eduarda - ou Duda - e a ruiva, Sofia.

Acabamos de almoçar e enrolamos um pouco na mesa, esperando o horário da aula. Finalmente, levantei e fui em direção à minha mochila, que estava fora da cozinha, mas algo inédito me chamou atenção. Um envelope branco com metade do tamanho de uma folha comum, selado com cera preta, um símbolo estranho com três riscos estampado no selo. Estava colocado encostado na minha mochila, na lateral.

Guardei rapidamente minhas coisas na bolsa e voltei minha atenção ao envelope. Virei-o procurando por uma assinatura. no canto lia-se em letra cursiva:

"Para: Maria Luisa Ferraz"

Quem quer que tivesse enviado, sabia meu nome completo. O mais intuitivo seria abrir e ler, mas por algum motivo quis mostrar para Mari primeiro:

- Mari, vem aqui fora um pouquinho, por favor? - falei na porta da cozinha

- Tô indo...

Ao contrário do que eu esperava, as três amigas de Mari vieram junto, curiosas.

- Olha o que deixaram na minha mochila - disse entregando o envelope ainda fechado para Mari, que sorriu. As amigas dela arregalaram os olhos, mas se mantiveram caladas, apenas trocando olhares entre si.

- Por que você não abre e lê? - Mari devolveu o envelope para mim

- Vou fazer isso... - abri o envelope e tirei um papel dobrado ao meio de dentro. Desdobrei-o para notar que tinha escrita em ambos os lados e comecei a ler...

Ass: AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora