Condenado

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Cheguei no salão para me deparar com diversos alunos se acomodando pelas poltronas. Nosso orientador pedagógico parecia dizer algo sobre a forma como deveriamos nos sentar, mas o ruído era alto demais para que eu entendesse qualquer coisa. Apenas segui Fernando e acabei por me sentar justamente ao seu lado, na terceira fileira.

Pelo que pude perceber, aparentemente a regra era que os alunos novos deviam se sentar à frente, visto que eu conhecia todos os rostos naquele lugar exceto pelos da primeira fileira. Varri o olhar rapidamente por tais rostos, sem perceber nada interessante exceto por alguém bem na minha reta usando um capuz que não me permitiu enxergar sua face, mas relevei.

Com o passar da reunião e alguns dizeres não tão interessantes, algo chamou a minha atenção: a pessoa do capuz ergueu sua mão como quem quer dizer algo. Imediatamente ela foi atendida pelo orientador:

- Pode falar

- Tem alguma sala de estudos ou algo assim? Pra gente estudar com calma sem precisar ir pra casa... - Uma voz feminina questionou preocupada. Não uma voz qualquer, mas a voz mais doce e encantadora que eu já ouvi em toda a minha vida.

Meu interesse cresceu exponencialmente, e eu me atentej à fonte daquela voz, exatamente 2 poltronas à minha frente. Ela usava o modelo mais quente de blusa que tinhamos disponível como uniforme. Não estava tão frio, e o fato de ela usar uma blusa tão pesada poderia indicar que ela era bem tímida. Talvez fosse difícil conhecê-la mais de perto, pelo menos do jeito normal. Ainda não havia visto ela de pé, mas pela altura dela sentada, parecia ser um pouco baixa.

Repentinamente, a voz de Fernando me tirou do transe:

- Não entendi, você entendeu?

- Entendi o que?

- Ué, o que ele acabou de falar, sobre a aplicação das provas...

- Ah, nem prestei muita atenção... - de fato, eu não havia prestado nada de atenção

- Aff, deixa pra lá então. - o garoto me replicou com uma cara estranha, tentando entender o que acontecia ali

♧◇♧

Eu assistia atentamente à reunião, tentando ignorar o barulho intenso vindo de trás de mim. Não era muito confortável estar em meio a tantos alunos, minha antiga escola tinha cerca de 200 alunos considerando todas as idades, enquanto essa tem 300 só no ensino médio.

O fato de eu estar na frente piorava toda a situação. Normalmente já sinto muito frio, e a sensação de estar sendo observada por tanta gente me fazia congelar.

O homem à frente se apresentou como nosso orientador pedagógico, era baixinho e robusto, e quase careca. Ele explicava lentamente enquanto mantinha em sua mão um pequeno controle que passava os slides do projetor. Ele citou que seria necessário que estudássemos por conta todas as tardes, o que me deixou pensativa. Meu ônibus de volta pra casa só passa às 17:30, então eu teria que dar um jeito de estudar na escola mesmo.

Relutantemente, eu ergui minha mão. Arrependimento instantâneo. Mesmo sem virar para trás senti que todos os olhos me apontavam. Para minha sorte, fui rapidamente atendida:

- Pode falar

- Tem alguma sala de estudos ou algo assim? Pra gente estudar com calma sem precisar ir pra casa...

- Temos duas salas de estudo. A do ensino médio, ou seja, de vocês, fica no terceiro andar próxima à minha sala. O uso é livre.

Não tive coragem de falar mais, me limitei a assentir com a cabeça, e a palestra continuou.

♧◇♧

O orientador finalmente se despediu e todos começaram a levantar. Não queria ficar no meio da multidão, então esperei até que a maior parte já tivesse saído. Alguns alunos foram à frente para falar com o orientador, mas a grande maioria se dirigia diretamente à saída. Conversas e outros barulhos encheram o salão, mas por pouco tempo. Conforme o lugar esvaziava, o ambiente ficava mais tranquilo e eu finalmente me senti confortável em tirar o capuz. Tirei a franja da frente do rosto e me levantei indo em direção a saída deixando para trás os poucos alunos que ainda conversavam com o orientador.

Não era muito cômodo ter que descer do segundo andar ao térreo, só para subir novamente ao primeiro, já que a única conexão entre estes dois era o elevador, e eu já havia sido alertada: era restrito aos alunos com limitações físicas que não poderiam usar as escadas.

Depois de refletir um pouco sobre o trajeto, fui pra minha sala e me deparei com o fato de que alguém roubara meu lugar, mas não quis arrumar encrenca e apenas me acomodei em outro.

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Estava tão imerso na nova descoberta que não percebi o tempo passar, e quando me dei conta a reunião já tinha acabado, mas por algum motivo minha nova fonte de interesse permanecia parada.

- Vem comigo, Fernando! - o garoto se assustou com meu chamado repentino

- O que você quer?

- Você precisa tirar sua dúvida - disse puxando-o até o orientador

- Não, eu já entendi - ele replicou me puxando de volta

- Pois trate de ter outra dúvida então

Obviamente, Fernando percebeu que eu estava sendo estranho. Mas ele não era burro, e sabia que se eu estava sendo estranho, tinha um motivo, e ele me ajudaria mesmo sem entender exatamente o que eu queria.

Assim que chegamos ao orientador e meu cúmplice começou a falar com ele, discretamente virei minha atenção até meu objetivo. E no momento certo: ela acabara de tirar o capuz bem na minha frente. Que rosto lindo! Olhos verdes beirando um tom hazel, cabelo curto castanho escuro, com uma franja enorme que ela acabara de colocar pro lado, pois esta previamente cobria quase metade de seu rosto. Pele clara, que provavelmente tomava pouco sol, sempre coberta por aquele capuz. Roupas largas deixavam seu estilo ainda mais atraente

Meu lado racional lutava, tentando impedir as emoções de dominarem enquanto eu assistia-a levantar e ir em direção à saída.

Quando a emoção briga com a razão, decisões ruins são tomadas. E comigo não foi diferente: eu acabara de fazer uma das piores escolhas que eu teria nas próximas semanas: segui-la em silêncio. Mantive alguma distância, evitando ser percebido. Por mais atentos que meus ouvidos estivessem, tenho certeza: ela não disse nada em todo seu trajeto até nosso corredor. Agora era o momento que realmente me importava: descobrir em qual sala ela entraria. Vi-a passar em frente aos primeiros anos 1 e 2, vi-a passar em frente ao segundo ano 2 - a minha sala - e vi-a passar em frente ao segundo ano 1. Finalmente ela virou à direita e entrou na sala emplacada como "primeiro ano 3".

Estava feito. Eu estava condenado a enlouquecer e nem imaginava.

Ass: AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora