Reparos Necessários

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O relógio marcava nove e meia quando saí de casa em direção ao local marcado. Não estava com pressa e, por conta disso, cheguei em cima da hora. Entrei deixando o portão destrancado e rapidamente e levei minha bicicleta até o quintal dos fundos, deixando-a lá, onde eu sabia que não iríamos.

Fui para a cozinha e esperei lá. Não poderia esperar na sala, pois no momento em que ela abrisse a porta, entraria luz o suficiente para me enxergar. Assim que a porta se fechasse eu iria até ela.

Não demorou muito até ouvir o portão abrindo e, posteriormente, a porta da sala.

— Encoste a porta.

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Esperei alguns minutos depois de Malu sair. Quando estimei que ela já estivesse em casa, peguei minhas coisas e saí também. Uma luz pálida do luar se misturava às fracas lâmpadas amareladas dos postes, criando um clima melancólico. Apesar de já ser meia-noite, eu não sentia vontade alguma de ir pra casa. Fiquei andando por aí com minha bicicleta, vagando pelos bairros. Com meu fiel canivete no bolso e a determinação de um apaixonado, eu não temia a noite.

Quando me dei conta de que deveria ir pra casa, o sol já se aprontava no horizonte prestes a surgir. Cheguei para encontrar meus pais ainda dormindo e me deitei para tentar descansar um pouco antes de ser acordado. Mesmo com tudo que acontecera, tive um sono tranquilo, feliz por ter encontrado Malu.

Quando acordei me senti completamente renovado, apesar de ter dormido pouco. Nos últimos dias eu sentia como se meu humor dependesse exclusivamente da minha relação com Malu e de nada mais. Se as coisas com ela ocorriam como esperado, eu me sentia feliz, vivo. Me sentia bem. Se ocorriam mal, eu sentia como se tudo fosse dar errado, como se fosse o fim do mundo.

Dessa vez, meu fim de semana foi tranquilo e eu não tive mais contato com Malu. O mais próximo que cheguei disso, foi voltar para a casa abandonada a fim de tentar melhorar o ambiente. Abri todas as janelas para arejar o local enquanto eu trabalhava. Chequei o quadro de energia do imóvel para encontrar uma bagunça de cabos e teias de aranha e, usando um alicate enferrujado que encontrei perdido no quintal, cortei e emendei os cabos que antes eram interrompidos pelo relógio de força, religando a energia da casa clandestinamente. Eu ainda teria que ter cuidado para que não percebessem que havia alguém na casa, pois isso me traria complicações.

Para a água, a solução não seria tão simples. Eu não conseguiria simplesmente religar a água, mas se eu conseguisse encher a caixa d'água duraria um bom tempo considerando que eu usaria bem pouco.

Fui para o quintal e escalei o muro, observando a propriedade vizinha. Aparentemente, tinha gente em casa, o que deixava entrar ali fora de cogitação. Escalei o muro do lado oposto e ali, sim, o local parecia vazio. Pulei ali à procura da mangueira de jardim. Joguei-a de volta por cima do muro, e engatei a ponta na torneira da casa abandonada. Abri ambas as torneiras, e foi possível ouvir a água fluindo e enchendo a caixa ďágua, gradualmente. Abri a pia da cozinha para testar, e funcionou. Finalmente eu teria água.

Depois de algum tempo, julguei que a caixa já estivesse cheia e devolvi a mangueira para a casa de seu dono. Com sorte, ninguém perceberia que fora mexida.

Com um balde velho que estava no quintal e a mesma vassoura que varrera aquela por completo dias antes, lavei todo o chão de todos os cômodos, incluindo os quartos. Finalmente o local parecia habitável novamente.

Minha mais sincera vontade era a de chamar Malu para lá de novo, eu sentia saudades dela, mas tinha que parecer escasso. Se ela pudesse me ter sempre que quisesse, não daria tanto valor. Se ela só puder me ter em alguns momentos, valorizará esses momentos mais do que qualquer outra coisa.

Acabei concluindo por convidar Fernando pra lá. Seria uma experiência interessante dormir num local como aquele acompanhado por meu amigo. Já era fim de tarde, passei em casa e tomei um banho para economizar da caixa ďágua, liguei para Fernando para convidá-lo e sugeri que ele fizesse o mesmo.

Encontrei-o na frente da casa dele, e fomos juntos até a casa abandonada. O caminho que eu já estava acostumado a fazer por culpa da última semana não parecia o mesmo quando acompanhado por meu colega, ainda que não fosse a primeira vez que ele iria.

Quando chegamos, guardamos as bicicletas na sala e eu fechei todas as janelas, permitindo que acendêssemos as luzes sem sermos notados. Fernando já sabia que eu havia religado a energia, mas ele se surpreendeu ao descobrir que eu também tinha conseguido água.

Avisei meu pai pelo celular que dormiria na casa de Fernando, e este avisou os seus que dormiria na minha casa, assim, ninguém se preocuparia conosco. Meu colega tirou uma garrafa de vodca lacrada da bolsa, me pegando de surpresa, mas, me dando a certeza de que aquela noite seria divertida.

Parando para refletir um pouco sobre a casa, meu palpite era de que quem morava ali era um casal de idosos brigados. Provavelmente não tinham filhos, ou seus filhos moravam longe demais. Brigaram e passaram a dormir em quartos separados, mas não fizeram o divórcio por ser trabalhoso demais, e não tinham como morar separados, então continuaram vivendo juntos. Toda a estética da casa dava a impressão de ser de um idoso, além de que isso explicaria as camas separadas entre quartos e o fato de ninguém ter assumido a casa quando eles faleceram.

Minha mente fervilhava, e apesar da bebida, eu não conseguia parar de pensar em Malu. Queria ela ali, junto de mim. Queria abraçá-la, sentir seu cheiro, tocar sua pele. Beijá-la... Queria beber vinho com ela até que ambos estivessem irracionais demais para fazer qualquer coisa que não fosse curtir um ao outro. Ela estava a tão poucos metros de mim, e ainda assim eu não podia tê-la. Suspirei fundo, esvaziando a mente e tentando curtir o momento, virando mais um shot de vodca cuja contagem eu já perdera.

Não fizemos muita coisa além de beber e dormir. Optei pela cama de um dos quartos, que cobri com um lençol trazido de casa para evitar a poeira. Fernando sempre foi mais desleixado, e acabou dormindo no sofá. Dormi bem, afinal, sob efeito de tanto álcool, era impossível não o fazer, mas lembro que antes de cair no sono prometi uma coisa para mim mesmo: iria deixar para pensar em Malu na segunda-feira, e tirar o domingo para mim, mesmo que isso envolvesse enfrentar uma abstinência intensa de uma droga que eu nunca de fato tive.

Ass: AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora