Stalker

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♧◇♧

Minhas mãos tremiam segurando a carta, não de medo, mas de ansiedade. Comecei a ler:

"Você pode imaginar que não, mas eu assisti com todos os detalhes enquanto você lia minha primeira carta, de ontem.

Sua expressão como um todo foi extremamente fofa, e confesso que ver você se derretendo pela carta, também me derreteu um pouco. 

Conforme prometido, você pode escrever cartas de volta para mim. Apenas guarde-as em um envelope e deixe-o apoiado na sua mochila assim como faço com as minhas. Caso não tenha envelopes, pode reaproveitar os meus, não me importo.

Mas fique avisada: se você tentar armar qualquer coisa para me descobrir, não vai conseguir. Se qualquer pessoa estiver de olho, não vou pegar a carta.

Decidi também que vou te dedicar uma música em todas as cartas. Pessoas comuns dedicam músicas românticas, clichês, e relativos. Eu não. Não sou normal. Sou esquisito. Normalmente já seria de minha natureza dedicar coisas incomuns, e quando chegou até mim que você é fã de metal, decidi que era exatamente disso que eu precisava: dedicar um metal pra você. 

Assim sendo, depois de pensar um pouco escolhi essa:

Hypnotize - System of a Down

é um metal progressivo que critica a propaganda, provavelmente você conhece a banda, afinal, quem não conhece SOAD?

Última coisa: Não me importo que você mostre as cartas para Mari. Ela é a melhor amiga que você fez até agora, eu entendo. Mas, essas três que andam com vocês? Não. Elas mal te conhecem, não se exponha dessa forma. A única pessoa que pode descobrir detalhes sobre você e sua vida, sou eu.

Ass: Seu correspondente anônimo"

Minha reação não mudou tanto em relação ao dia anterior: ansiedade, felicidade, um pouco de medo. Confesso que a última parte de fato me assustou. Como assim descobrir detalhes sobre minha vida? Esse não foi o único questionamento que passou pela minha mente: Como ele sabia sobre Mari e suas amigas? Como ele sabia que eu gostava de ouvir metal? E como me viu ontem? Ele estava me seguindo? Eu olhara tudo ao redor e ninguém parecia se importar comigo.

Apesar de tudo, a possessividade que meu admirador tem comigo me encanta. Eu sempre gostei de ler aqueles romances estranhos onde uma das pessoas é obcecada pela outra, e apesar de ser um tanto amedrontador imaginar isso acontecendo comigo, seria mentira dizer que eu não gostaria.

Entreguei a carta para Mari ler, mas pedi que ela não mostrasse para as outras, respeitando o pedido do meu admirador. Não sei porque decidi obedecer, mas caso ele esteja me vendo agora, talvez não seja legal descumprir um pedido tão simples à toa.

Quanto à música que me fora dedicada, eu de fato a conhecia, e inclusive gostava, mas não ouviria agora pois precisava terminar de comer e ir pra aula, além de que seria chato com minhas colegas colocar fones de ouvido e ignorá-las. Ainda assim, prometi para mim mesma que ouviria-a mais tarde, em consideração a quem dedicou-a.

Também adorei que ele me dera a possibilidade de escrever de volta pra ele, e eu com certeza faria, provavelmente logo no dia seguinte.

O momento do início da aula se aproximava, então foquei em terminar de comer e ir pra aula. Mari me devolveu a carta, e ainda que as outras tenham pedido para ver, eu disse que preferiria não mostrar. Guardei-a na minha mochila junto com a outra.

♡♤♡

Malu com certeza não reparou minha presença, concentrada como estava. Mari? Esta era muito mais observadora e acabou por me ver, mas pensei rápido e agi da forma mais natural possível: simplesmente acenei para ela pela janela e saí, como se quisesse apenas cumprimentá-la. Como eu disse, éramos colegas e não seria estranho que eu simplesmente a cumprimentasse.

Fui para a casa de Fernando para almoçar. Eu havia avisado-o que eu atrasaria, então provavelmente ele já estava comendo à essa altura. O almoço era estrogonofe. Não é meu prato preferido, mas confesso que quando feito pela mãe dele, era muito gostoso.

Passamos a tarde jogando videogame. Em outro momento, eu estaria mais empolgado, mas naquele dia eu estava simplesmente no automático. Malu estava na aula, e não havia nada que eu pudesse fazer para vê-la sem chamar atenção. Minha mente estava dividida entre a partida que jogávamos e a possibilidade de encontrá-la mais tarde. Quando olhei o relógio, percebi que já eram quase cinco horas da tarde. Eu precisava ir embora. Despedi-me de Fernando, agradecendo pelo almoço, e me preparei para a segunda parte do meu plano.

Sai da casa dele, mas não entrei na escola pegar minha bicicleta. Invés disso, fui para a rua da saída B, e fiquei na esquina esperando alguns minutos. Vários alunos começaram a sair, mas não enxerguei Malu. Meu coração começou a acelerar com a possibilidade de que não fosse vê-la.

Finalmente, depois do que pareceram horas, avistei Malu. Ela saía com o mesmo ar tímido de sempre, e eu continuei parado, observando de longe. Meus olhos a seguiam, mas meus pés ficaram ancorados no chão. Reparei com atenção para que lado ela iria, esperando o momento certo para me mover. Quando ela finalmente saiu do meu campo de visão, respirei fundo e comecei a segui-la, mantendo uma distância segura. Não queria que ela me notasse, então me mantive sempre pelo menos um quarteirão atrás.

Andamos cerca de um quilômetro, com cada passo meu sendo calculado. O sol já estava mais baixo no céu, e as sombras das árvores se estendiam pela calçada, criando um clima meio melancólico. Finalmente, vi-a parar. Mas não era em uma casa. Era na rodoviária. Um aperto tomou conta do meu peito. Esse era o pior dos cenários possíveis, pois, além de não descobrir onde ela morava, isso também significava que ela morava longe.

Decidi que seria muito arriscado me aproximar, então fiquei ali, de longe, observando. Exatamente às cinco e meia, um dos ônibus parou e uma pequena multidão começou a embarcar, incluindo Malu. Com os olhos fixos no veículo, memorizei o número na traseira do ônibus, e imediatamente peguei meu celular. Abri o site da companhia de ônibus e digitei o número. Após alguns segundos de espera, apareceu a rota que aquele ônibus fazia. Eu não conseguiria descobrir o local exato onde ela morava, mas agora eu tinha uma lista de bairros possíveis. Printei a tela para garantir que não esqueceria e guardei o celular no bolso.

Ainda sentindo a adrenalina correr pelo corpo, voltei para a escola. Peguei minha bicicleta e, finalmente, fui para casa.

Ass: AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora