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Acordei determinado a conseguir uma forma de contato com ela, mas não queria me revelar tão cedo. Cogitei usar um número não identificável, mas soaria ameaçador, e eu não queria assustá-la. Qualquer forma de falar com ela em pessoa também estava fora de questão. Optei pela ideia de escrever uma carta, o que além de suprir exatamente a minha necessidade era, na minha visão, muito romântico.
Para garantir que ela se sentiria confortável com toda a situação, decidi que precisava de uma forma de pedir por consentimento, sem revelar minha identidade. Ao mesmo tempo, queria uma forma de induzi-la a aceitar, mesmo que fosse por mera curiosidade.
Uma ideia surgiu à minha mente. Peguei rapidamente uma pulseira azul, simples, de tecido nas minhas coisas, embebedei-a em meu perfume. Coloquei um tênis extra na minha mochila, além de um agasalho reserva, preto, que não era do uniforme.
Fui para a escola às pressas, pois já estava atrasado, mas dessa vez não encontrei Fernando no caminho. Quando cheguei na sala, ele já estava lá. Sentei-me atrás dele cumprimentando com o olhar, sem dizer uma sequer palavra. Entre a gente muitas vezes um olhar basta para expressar muitas coisas, e dessa vez a mensagem era "estou concentrado, me deixe em paz".
Arranquei uma folha do meu caderno e comecei a escrever tudo que achei que deveria. Eventualmente parei, reli, rasguei, amassei. Mais uma vez, escrevi, reli, rasguei, amassei. Lá pela quarta ou quinta vez, gostei daquilo que escrevera e decidi que estava bom. Acrescentei após a última linha:
"Ass: Anônimo"
Nesse ponto já era quase hora do intervalo, e pela primeira vez no dia falei com Fernando:
— Fer! — falei em tom mais alto do que deveria, suficiente para chamar atenção de Marcela. O garoto apenas virou para trás voltando sua atenção para mim
— Me faz um favor? Você pode fazer um envelope pra mim, daquele jeito que você sabe fazer, que fica perfeito? — pedi
— Até faço, mas não tenho folha sulfite aqui
— Não seja por isso, eu tenho — respondi pegando uma na mochila e entregando pra ele
— Tá, empresta sua régua, tesoura e col... — o garoto foi interrompido por mim entregando meu estojo a ele de forma desleixada, quase jogando. Fui encarado por um olhar ríspido até que o meu colega virou-se para frente e começou a trabalhar.
Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Marcela me chamou:
— O que você tá fazendo? — ela sem dúvida era curiosa.
— Escrevendo uma carta — eu não queria mentir, mas menos ainda queria contar sobre toda a situação.
— Pra quem? — minha amiga insistiu
— Ninguém que você conheça — por mais que falar dessa forma pareça rude, era nosso tom natural de comunicação.
A indignação de Marcela foi interrompida pelo sinal que indicava o intervalo, e eu aproveitei para guardar a carta na minha bolsa e sair, deixando-a na curiosidade.
Passei em frente à única sala que me dava calafrios - a dela - mas não encontrei-a.
Desci para o pátio a procura de Malu, e finalmente encontrei-a no canto do lugar, procurando algo com o olhar, provavelmente alguém. Como ela sempre fazia quando perto de muitas pessoas, estava de capuz. Sua linda franja cobria parte de seu rosto, mas não ocultava nenhum de seus olhos fascinantes.
Repentinamente ela se virou e veio na direção da escada que subia para nossas salas, consequentemente, na minha direção. Senti meu sangue ferver, não de raiva, mas de ansiedade. Disfarcei como se procurasse alguém até que ela passasse por mim, então fui atrás dela pela escada sabendo que não seria estranhado, pois grupos de alunos iam e vinham por aquele caminho o tempo todo.
Assisti-a entrar em sua sala, e entrei na minha. Fernando não estava na sala, mas havia deixado o envelope pronto em cima da minha mesa. Peguei a carta em minha mochila e reli-a uma última vez. Abri um sorriso. Dobrei-a ao meio e coloquei no envelope. Peguei minha pulseira no bolso, ela ainda estava úmida pelo perfume. Aproximei-a do meu rosto para notar que o cheiro estava bem forte, como eu queria, e coloquei-a junto dentro do envelope.
Para garantir que ela abriria, decidi escrever o nome dela na frente do envelope.
"Para: Maria Luisa Ferraz"
Jamais usaria minhas verdadeiras iniciais no selo, então deixei a criação da minha marca à mercê da criatividade. Meu resultado final foi um símbolo composto por três traços, o primeiro deles levemente curvo e na vertical. O segundo saia do topo primeiro e seguia reto na horizontal. O terceiro saia da ponta do segundo e descia reto, também na vertical. Essa seria minha marca daí em diante.
Usando um lápis pontudo, cavei o símbolo na superfície da minha borracha. Não era nada profissional, mas serviria para dar um formato ao selo.
Assim que a aula acabou, fui para a sala de artes e para a minha sorte, encontrei-a aberta e sem supervisão. Procurei na caixa de velas até encontrar uma preta que parecia perfeita, e coloquei-a no bolso. Aproveitei-me do momento sem supervisão e peguei meu canivete que nunca era tirado da mochila para arredondar a silhueta da minha nova prensa de selos, além de tornar a o relevo do símbolo mais definido. Usando um isqueiro, derreti a cera da vela e pinguei uma boa quantidade sobre a aba do envelope. Antes que a cera esfriasse, coloquei meu carimbo recém improvisado por cima e apertei suavemente. Como esperado, meu símbolo ficara gravado no selo. Quase tudo estava pronto.
De acordo com a grade de horários, hoje a turma dela teria aulas à tarde, então fui direto na direção da cozinha e de fato ela estava lá. A mesma mochila que ela usava no dia anterior estava do lado de fora da cozinha, sobre uma cadeira.
Não acho que alguém veria caso eu simplesmente colocasse a carta ali e agora, mas decidi me precaver. Fui até o banheiro mais próximo e me tranquei numa cabine. Abri minha mochila, peguei meu outro agasalho e troquei, guardando o anterior de volta. Fiz a mesma coisa com os tênis. Deixei minha mochila dentro da cabine, pois eu seria rápido. A única forma de me reconhecer agora seria pelo rosto, mas este não seria visto por ninguém. Rapidamente, fui até o local onde a mochila de Malu ainda permanecia, coloquei a carta apoiada em sua mochila. Voltei para o banheiro e recoloquei minhas roupas normais, escondendo novamente na mochila aquelas que agora não pertenciam mais à mim, mas ao novo admirador secreto de Maria Luisa.
No fundo seria melhor que alguém tivesse me visto, pois assim eu seria automaticamente excluído de qualquer possível lista de suspeitos pela distinção das roupas.
Restava esperar.
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Ass: Anônimo
RomanceDois adolescentes de origem humilde frequentam uma escola elitista, onde enfrentam a dificuldade de se enturmar. A principal diferença entre eles? Ela é uma estudante comum; ele, por outro lado, sofre de uma obsessão doentia. Desde o primeiro contat...