Ass: Malu

7 2 0
                                    

♧◇♧

Minha aula do momento era biologia. O sono diminuira um pouco, mas as olheiras permaneciam fortes como antes, me denunciando. A professora explicava sobre a teoria da evolução de Darwin, mas a maioria dos alunos não prestava atenção.

— Você vai escrever uma carta em resposta? — Mari questionou, enquanto colocava a mão em meu ombro pra chamar minha atenção

— Vou… — Respondi como se fosse óbvio  mas sem muita determinação

— E por que não escreve agora, mesmo que só entregue amanhã?

— Ainda não sei o que escrever, além disso, me sinto um pouco estranha com toda a situação.

— O que sente? — Mari era atenciosa aos meus sentimentos

— Às vezes me parece muito imprudente aceitar trocar mensagens com um desconhecido que se esconde atrás de cartas. Eu sei que eu aceitei isso, mas às vezes penso que só aceitei por impulso e que se tivesse pensado mais, teria negado.

— Então por que não escreve pedindo pra ele parar e esquece que tudo isso aconteceu? — Mari sugeriu a conclusão mais lógica, mas não me agradou nem um pouco 

— Não! — Exclamei — Não é isso, eu quero continuar conversando com ele… As vezes só me sinto insegura…

— Então pede pra ele se apresentar pessoalmente, poxa. — Apesar da ideia de Mari ser interessante, duvido que ele iria aceitar

— Vou tentar…

Motivada pela recomendação de Mari, comecei a rascunhar a carta numa folha do meu caderno. Eventualmente conclui que nem valia a pena prestar atenção na aula, então coloquei meus fones de ouvido e dei play na música que meu admirador me dedicara. Ele tinha bom gosto.

Depois de apagar diversos trechos várias vezes, cheguei num ponto em que achei que estava bom e passei tudo à caneta. Ainda assim, minha pressa era inútil, pois eu só entregaria a carta no dia seguinte. 

Na hora de assinar, um impasse tão simples me manteve indecisa por diversos minutos: assinar com meu nome completo ou apelido? A primeira opção tornaria algo mais formal, e não daria tanta intimidade. Parecia a opção mais racional. A segunda tornaria algo íntimo, e mostrar intimidade pra alguém que eu literalmente não sabia quem era não me parecia nada racional, mas era o que meu coração mandava que eu fizesse. Segui meu coração.

Dobrei a carta ao meio e guardei no mesmo envelope usado por meu admirador. Como eu não tinha como fazer um selo de cera, me contentei em colar a ponta com um adesivo circular vermelho. Risquei onde dizia "Para Malu" na frente e escrevi:

"De: Malu
Para: Admirador"

Avaliei meu resultado final. Gostei. Não era extravagante, nem super dedicado como a que eu recebera, mas tinha um certo carinho. Além disso, apesar de não estar tão confiante que ele se apresentaria perante meu pedido, eu tinha esperança.

Passei o resto das aulas desenhando, mas logo estas acabaram e fui embora de ônibus como sempre. Enquanto eu andava até a rodoviária, uma sensação estranha me deixou em alerta, mas durou pouco. Assim que o ônibus chegou, me senti segura novamente, e a sensação caiu no esquecimento.

Essa noite foi um pouco melhor que a anterior, e eu consegui dormir pelo menos um pouco. Além disso, percebi que estava completamente viciada no cheiro dessa maldita pulseira. Não sei o que tinha nela, mas já não era pra mim um simples aroma gostoso. Era de fato, viciante. O ato de trazer o pulso próximo ao rosto e sentir o cheiro do perfume era recorrente.

♡♤♡

Toda minha rotina não poderia ter sido mais monótona, desde o acordar e ir pra escola até o fim das aulas da manhã. Não escrevi carta alguma desta vez, pois estava esperando receber minha resposta.

Meus pensamentos passavam rápidos por minha mente acelerada, mas todos giravam em torno de Malu. Não troquei uma palavra sequer com ninguém até o almoço. Me imaginava no futuro com Malu, quando meu vocativo não seria mais "meu admirador" e sim "meu namorado". Acho que eu estava de fato, apaixonado.

Quando saí da sala, encontrei Malu em meio a multidão de alunos e ela já segurava um envelope em uma das mãos. Meu coração se aqueceu. Ela provavelmente ia em direção à cozinha, então fui direto para o banheiro vestir meu disfarce. A maioria dos alunos provavelmente iriam para a cantina, que por algum motivo era razoavelmente longe da cozinha, onde Malu estaria. Se eu estivesse certo, haveria poucas pessoas por perto, além da própria Malu que poderia me ver pela janela, como já vira no dia anterior mas não me reconheceu.

Sai do banheiro e fui em direção ao local onde Malu costumava deixar sua bolsa, mas desta vez, esta não estava lá. Olhei pela janela da cozinha brevemente e vi minha paixão ainda sozinha, mas sem sua mochila. Procurei com o olhar ao redor e finalmente à encontrei. Estava em um canto mais longe dos olhares, e como esperado, o envelope logo ao lado. Malu realmente havia levado a sério quando disse pra não deixar ninguém olhando a mochila. Peguei a carta com calma e escondi por dentro da blusa. Não havia necessidade de pressa, ninguém estava me vendo. 

Voltei para a mesma cabine do banheiro onde deixara minhas coisas, guardei minhas vestes e vesti novamente o uniforme. Coloquei a carta na mochila e fui para a casa de Fernando, espiando brevemente que as amigas de Malu já haviam chegado na cozinha e todos conversavam. O ciúme me apertou. Minha genuína vontade era de pegar a carta e ler agora mesmo, mas seria muito suspeito se eu fosse visto na escola com a carta na mão.

Quando cheguei, cumprimentei Fernando e até cogitei ler a carta na frente dele, mas não estava afim de ter que explicar tudo. Fui para o banheiro da casa dele, tirei o selo vermelho colado, que desta vez não era de cera. Peguei a carta e comecei a ler…

♧◇♧

Tudo ocorreu conforme planejado. Quando a aula acabou, coloquei minha mochila um pouco mais longe da cozinha, pra dar mais segurança pro destinatário da carta pegá-la. Ele mesmo disse que não pegaria se alguém estivesse vendo, e eu não queria que isso acontecesse. Peguei minha marmita na mochila, deixei o envelope ao lado e fui comer.

Como já era de costume, minhas 4 colegas apareceram na cozinha pouco depois de mim e se sentaram comigo. Aos poucos, eu já estava me tornando um pouco mais amiga de todas, mas ninguém era tão atenciosa comigo quanto Mari.

A ansiedade me dominou, e mesmo não tendo acabado de comer, me levantei e fui olhar minha bolsa, já que sua nova posição não estava visível da janela. A carta já não estava mais lá. Uma sensação estranha tomou conta de mim. A curiosidade, a ansiedade, o medo e a felicidade. Todos estes dançavam em meu cérebro gerando uma incessante confusão, mas ainda assim o sentimento não era ruim.

Ass: AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora