O Ladrão de Cartas

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A paixão é uma droga. Vicia tanto quanto as mais adictivas substâncias. Alucina tanto quanto os mais fortes entorpecentes. E o pior: gera abstinência. Era exatamente isso que eu sentia naquele momento. Uma intensa necessidade de consumir mais da droga da minha paixão.

E infelizmente essa droga não era acessível. Se eu quisesse beber, poderia ir para a casa de Mari, cujos pais são completamente liberais e beber o quanto quiser. Caso quisesse fumar, o que eu não gosto, conseguiria facilmente comprar droga barata em qualquer biqueira da cidade. Mas o que eu quero é paixão, algo que não consigo de uma hora pra outra. Não consigo nem sequer mandar mensagens para minha paixão, pois esta jamais compartilhou comigo qualquer forma de contato que não as cartas. E mandar cartas não é rápido. Eu precisaria pensar, escrever, deixar na minha mochila, esperar uma resposta que pode demorar dias para só talvez conseguir mais um encontro.

Apesar da demora, do trabalho, e de toda a tensão, foi isso que eu fiz. Passei todo o anoitecer escrevendo com calma mais uma carta, quase que implorando para vê-lo o mais rápido possível. Eu precisava disso. Toda a sensação de ter alguém obcecado por mim me deixava em um êxtase incrível.

Quando me dei conta do horário, já se passava de dez horas da noite, e eu fui dormir na expectativa de encontrá-lo no dia seguinte.

A aula foi tediosa, mas mantive minha atenção. Eu sentia falta da minha escola antiga, mas toda a adrenalina que eu estava vivendo nas últimas semanas faziam valer a pena. Isso sem contar que o ensino ali era de longe muito superior ao do antigo colégio. Conversar com Mari durante as aulas já se tornara recorrente, com a diferença de que eu conseguia ainda assim prestar atenção enquanto ela era super distraída.

Quando a aula foi encerrada à força pelo sinal, corri ansiosa até o local onde sempre deixo minha mochila, retirando o envelope e colocando-o ao lado. A ideia de se esconder e assistir era tentadora, mas decidi que era melhor não arriscar. Fui almoçar sendo em pouco tempo alcançada por Mari, que tagarelava animada.

Comemos tranquilas, sem mais ninguém para nos perturbar, mas quando decidi espiar minha mochila na esperança de por mera coincidência ter um vislumbre de meu admirador, tive uma surpresa nada agradável.

Dois alunos bem mais altos e provavelmente mais velhos, com barba, liam juntos a minha carta escrita com tanto carinho e riam sem moderação. Tive certeza que nenhum deles era meu admirador, pois quando eu vira a silhueta dele, memorizei bem sua altura. Ainda que ele fosse mais alto que eu, era bem mais baixo que esses moleques. Além disso, ele jamais teria o descuido de aparecer assim sem se preocupar em ser visto. Apesar de tudo, tímida como sou, não intervi. Apenas os observei rir da situação e um deles roubar minha carta para si, guardando-a em sua mochila. Desgraçado.

♡♤♡

Saí da aula indo diretamente para a cozinha, onde sabia que Malu estaria. Por algum desejo do destino, decidi que queria vê-la, ainda que de longe. Quando cheguei e finalmente avistei-a, a cena que enxerguei não me agradou nem um pouco, pelo contrário, gerou em mim tanto ódio quanto eu era capaz de sentir: dois alunos do terceiro ano do ensino médio tiravam sarro de uma carta que com certeza havia sido escrita por Malu, enquanto esta assistia à cena perplexa, de longe, sem coragem de intervir.

Minha mais sincera vontade era a de cravar a lâmina do canivete que jazia em meu bolso, sedento por um pouco de sangue no pescoço desses filhos da mãe. Mas eu não podia. Jamais poderia me deixar matar alguém por romance, e quando isso acontecesse, eu saberia que estava louco de vez. Me segurei para não partir para cima dos dois, e fiquei de longe assistindo às lágrimas se formando nos olhos de Malu quando um deles roubou a carta para si. Eu não deixaria barato.

Ass: AnônimoOnde histórias criam vida. Descubra agora