046.

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Foi nosso último momento bom juntos e nem percebemos.

Sexta-feira |Rio de Janeiro
Renato Cardoso. RW.

Point of view

Mais uma vez, Carlão repassava o plano de amanhã, e mais uma vez, eu recusava a ligação dela.

— Espero que todos estejam de acordo. — sua voz grave ecoou na sala, me tirando dos meus pensamentos, encarei ele que me olhava firme. — podem ir. — ouvi cadeiras arrastando, e todos saindo da sala, me levantei ficando por último. — Rw. — cruzei meus braços erguendo meu olhar no dele, Carlão tava querendo me intimidar, mas eu tava pouco me fudendo.

— Qual foi?

— Tu chegou aqui com quantos anos? — ri fraco passando a mão no rosto.

— Que papo torto é esse, Car... — pude nem terminar de falar, ele me interrompeu na maior grosseria.

— Tu chegou aqui com quantos anos, Moleque? — seu tom de voz aumentou.

Descruzei meus braços e dei a volta ficando de frente pra ele, cara a cara.

— Treze anos, Carlão. Com treze anos nas costas eu vim te pedir pra virar bandido. — respondi com desgosto.

Ninguém gostava de tá nessa vida, ninguém tá aqui porque acha maneiro não, só tá aqui quem teve necessidade, quem não teve escolha, a não ser uma, viver ou morrer.

— Qual foi o conselho que eu te dei, Renato?

Em treze anos, Carlão nunca abriu a boca pra me chamar pelo meu nome. Assim que me apresentei como Renato, ele me chamou de Rw, daí em diante, ninguém além da maluca da Arielly me chamou pelo nome.

Eu me lembrava perfeitamente de cada palavra que ele me falou aquele dia.

— Tu entra nessa vida, dificilmente tu sai, principalmente se tu ir subindo teu cargo. Responsa é braba e redobrada! Mais lá pra frente, tu não vai conseguir sair não, só se for pra cadeia ou pro inferno, que é lugar de criminoso. — repeti sentindo minha pele inteira se arrepiar, era como se estivesse passando um filme na minha cabeça, de todas as coisas que passei, de cada noite que eu dormi com fome e com frio, de cada sofrimento que eu passei sozinho, só tendo a ajuda do homem na minha frente.

— Treze anos que tu tá nessa, dez anos que eu confio em tu, oito que te coloquei do meu lado, cinco que faço questão de dizer quem é o Dono daqui além de mim. Pra agora tu querer dar pra trás por conta de mulher?  — abaixei a cabeça. — levanta a porra da cabeça e sustenta teu olhar no meu. — assim, fiz. — Tu gosta dela, e eu tô ligado. Mas Henrique subornou famílias inocentes pra vir morar aqui só pra criar um grupo de vigia na nossa cola, fez um cara namorar com a própria filha pra saber coisas do Morro por conta do Gw, matou várias cabeça de cinco facções, e tá tentando matar a nossa pra ter o morro. Tu acha que um cara desse vai saber dar valor a filha que tem? Não vai, caralho. — engoli em seco. — Tá assim com ela por interesse de saber coisas daqui, e eu que não vou deixar prolongar isso, pra ele fugir igual o Ph e o V5.

Concordei com meu olhar no dele.

— Se ela gosta de tu, ela vai entender depois. — ele disse sério pegando a arma e colocando na cintura. — Tu matando ele, tu tá livrando tu mermo e os teus, pensa nisso.

Ele saiu da sala, esperei a porta fechar e arremessei a cadeira na parede, quebrando as pernas. Chutei duas que tava na minha frente fazendo o maior barulho, senti faltar fôlego e a porra de uma agonia no peito. Não gosto da Arielly, não tem pra que caralhos eu ficar desse jeito, tô acostumado a encher boca de nego de Formiga.

Sai da sala de reuniões e subi na moto, desci a milhão pra tabacaria. Agradeci por não encontrar o Teco ou o Gw, entrei lá pra dentro comprimentando os caras que trabalhavam por lá, entrei pros fundos vendo os menor trabalhando, enrolando os baseados e ensacando a maconha e cocaína.

Peguei dois saquinho e abri a porta dos fundos indo pra rua deserta, peguei a tábua de madeira e coloquei no colo, me sentei no chão e organizei o pó em cinco fileiras cheirando. Tirei o baseado do bolso e ascendi, em menos de dez minutos o fino acabou. Me levantei e entrei, sai de lá indo pro bar, coloquei uma dose de whisky e virei de uma vez, sai da tabacaria e subi na moto, pilotei até o campo, desci e vi os moloque jogando, sentei na arquibancada sentindo meus olhos arderem.

Peguei meu celular vendo mensagens dela, sentindo minha raiva aumentar mais ainda, mas não raiva dela, e sim de mim.

— Eu vou quebrar esse celular na sua cara. — quase não acreditei quando vi ela de pé na minha frente, neguei com a cabeça achando que era alguma miragem minha. — cê tá chapado, Renato? — ela cruzou os braços.

— Tô nada. — ri fraco.

— Nem me chamou, poxa. — ela se sentou do meu lado. — tô te ligando desde cedo, e ce nem me atende. Aconteceu alguma coisa?

— Cabeça cheia de problemas, Ariel. — olhei pra ela todo na brisa. — Tu é toda gata, papo reto. — ela desviou o olhar pra frente.

— So me fala isso quando tá chapado. Ridículo! — ela riu.

— Tu sabe que eu te acho, precisa dizer muito não po, coloca olhado. — ela me olhou denovo, dessa vez de uma forma toda estranha. — Qual foi?

— O que tu sente por mim, Rw? — primeira vez que vi essa maluca sem graça. — tipo, a gente fica, faz certas brincadeiras, anda passando boa parte do tempo juntos, mas nunca teve rótulos... E eu tô muito confusa.

— Eu também tô, Arielly. Pra caralho. — passei as mãos nos rosto. — é um lance maneiro esse nosso.

Você gosta de mim?

Travei o maxilar, a pergunta dela martelou minha mente, eu não sabia a resposta, então nem ia responder nada pra ela.  — Faz pergunta difícil não. — fui pra beijar a boca dela e ela se esquivou pra trás. — larga de graça.

— Tenho que ir, tá tarde já. — ela se levantou e eu fiz o mesmo.

— Sei que a resposta não foi a que tu queria, mas foi a que eu pude te dar. — ela concordou.

— Tchau, Rw.

Ela me deu as costas e saiu, olhei pra cima vendo o tempo nublado, olhei pra frente sem saber que rumo eu tomava, então, me sentei novamente e tirei outro baseado do bolso.

×××

Não pronta para os próximos capítulos.

M.

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