Capítulo 5 - Disciplina em Crise

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Narrado por Roberto Nascimento:

Acordei suando frio, com o som distante das ondas do mar ainda ecoando nos meus ouvidos. O sonho ainda pairava na minha mente, nebuloso e confuso, mas a imagem dela era clara. A mulher da praia. Ela estava tão clara na minha mente, como se fosse real, como se eu pudesse estender a mão e tocá-la. Mas ela era apenas uma lembrança, um fragmento de algo que não fazia sentido naquele momento.

Levantei da cama com o coração batendo acelerado. O quarto estava mergulhado na penumbra, as sombras dançando nas paredes. Tentei me acalmar, respirar fundo, mas a sensação de inquietação não passava. Por que diabos eu estava sonhando com ela? Uma mulher que eu vi por apenas alguns minutos, que eu nem conheço. O que havia nela que mexeu tanto comigo?

O reflexo no espelho do banheiro me encarava de volta. A mesma expressão dura, as marcas do tempo e das batalhas estampadas no meu rosto, mas havia algo nos meus olhos que eu não reconhecia. Uma incerteza, talvez uma fraqueza que eu não estava acostumado a sentir. Eu não sou o tipo de homem que se deixa levar por uma mulher qualquer, ainda mais uma que, nitidamente, tinha uma vida própria, longe de mim.

Enquanto jogava água no rosto, flashes do meu treinamento voltaram à minha mente. Eu estava em um lugar muito distante de onde me encontrava agora, tanto física quanto mentalmente. Lembrei-me dos meus primeiros dias no BOPE, quando eu e outros homens passamos pelo inferno. O curso do BOPE não era para qualquer um. Era o tipo de coisa que destruía homens, que expunha suas fraquezas e deixava apenas os mais fortes de pé.

Aqueles primeiros dias no curso foram brutais. Eu era um dos mais novos, mas isso não significava que o tratamento seria diferente. A brutalidade era a mesma para todos. "Esse curso é para homens, não para moleques", era o que nos diziam. As marchas intermináveis, o cansaço extremo, a fome, a sede. Tudo isso fazia parte do processo. O objetivo era quebrar o nosso espírito, ver quem conseguiria se levantar das cinzas e continuar.

Decidi voltar pro quarto e tomar um remédio pra dormir. Eu estava exausto, mas não era só físico, era algo mais profundo. Precisava estar inteiro amanhã, fiz uma promessa pro Coronel Ricardo de recrutar soldados que saibam agir sob pressão, não os quebrados. O foda é que, na teoria, a ideia do Coronel era tudo o que esses esquerdalhas queriam, esse papo de consciência social é uma puta hipocrisia. Mas na prática, parceiro, numa cidade como o Rio de Janeiro, não dá pra ser fraco. Quem entra no BOPE precisa saber disso. Quem usa a farda preta entra na favela pra matar, nunca pra morrer!

Acordei antes do amanhecer, o corpo ainda pesado pela noite mal dormida. O sonho com a mulher da praia continuava a rondar minha mente, mas era hora de deixá-lo para trás. Havia trabalho a ser feito, e eu não tinha tempo para distrações.

No caminho para o acampamento onde os aspirantes ao BOPE estavam alojados, o cheiro da madrugada fria me trouxe de volta à realidade. Não demorou muito para que minha mente voltasse a ocupar-se com pensamentos mais urgentes. A coisa que mais me enoja na corporação é a corrupção. Policial corrupto não tem espaço aqui, e eu faço questão de deixar isso bem claro desde o primeiro dia de treinamento. Esses filhos da puta que se vendem, que se curvam ao sistema, são os que mancham a farda e a honra de toda uma instituição. No BOPE, não há lugar para eles, quem quer usar a caveira, tem que saber honrá-la. Aqui, a disciplina é rígida e a integridade é tudo.

Um dos soldados que mais me causavam asco era o soldado Eduardo. Eu sabia que ele era o cão de guarda do Coronel Menezes, um dos piores tipos de oficial que já vi. Menezes não só estava envolvido com milícias, mas também comandava um esquema de corrupção que se espalhava por várias regiões do Rio. E Eduardo, como um bom capacho, seguia cada ordem sua sem questionar. Para esses caras, eu não dava um pingo de moleza.

Paixão nas Sombras | Capitão NascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora