Capítulo 2 - Sob Pressão

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Narrado por Roberto Nascimento:


Sinto um zumbido incessante em minha cabeça, um eco de tensão que persiste mesmo após descer do caveirão e chegar à sede do BOPE. Imagens fragmentadas da última operação se entrelaçam em minha mente, e o tremor familiar nas minhas mãos volta com força quando escuto a voz de um dos meus soldados cortando o silêncio.

- Capitão, o senhor está bem?

A pergunta é um soco no estômago, um retorno brutal à realidade. Eu me recomponho, forçando uma postura firme, mesmo sabendo que a verdade é outra. Se eu estou bem? Porra, quando eu estaria bem? A minha máscara de controle se endurece e aceno para o soldado, um gesto automático.

- Bom, eu sei que acabamos de voltar do Turano, mas o capitão pediu para que eu lembrasse o senhor da reunião com o Coronel que está marcada para daqui a pouco.

Um urro de frustração ecoa na minha mente. Eu havia esquecido dessa maldita reunião! Entre o desastre da última operação e o caos interno em minha mente, enfrentar o Coronel Ricardo, com suas demandas e o incessante discurso sobre a iniciação dos novatos da polícia convencional, era a última coisa que eu queria agora.

- Estou ciente. Agradeço o lembrete. Permissão para se retirar, soldado.

Minha voz sai fria, quase cortante. Dou um passo pesado e lento em direção à sala do Coronel Ricardo, cada movimento um desafio, cada pensamento uma batalha.

O escritório do Coronel Ricardo sempre foi um símbolo de formalidade, com móveis escuros e uma mesa perfeitamente organizada que exalava uma ordem quase militar. Eu entrei no espaço com o peso de um líder em conflito, minha expressão de determinação não conseguia esconder a tensão que pairava no ar. Ricardo estava atrás da mesa, com a postura rígida e o olhar penetrante de alguém que já enfrentou diversas tempestades e conhecia bem o furacão interior de cada um, o que me aflige e me deixa nervoso, mesmo eu não gostando de pensar desta forma.

Fiz uma saudação breve, mas firme, antes de me dirigir ao centro da sala. Ricardo levantou uma sobrancelha, notando meu olhar endurecido.

- Capitão Nascimento, sente-se. - A ordem disfarçada de cortesia era clara e quase ameaçadora. - Precisamos discutir os detalhes do próximo curso de iniciação.

Obedeci, mas minha postura rígida era um desafio silencioso. A tensão no ar parecia palpável, e cada palavra trocada era carregada com um peso quase insuportável.

- Coronel, o que a gente vai enfrentar agora é bem mais do que um simples treinamento - comecei, com a voz firme e decidida. - É onde a gente vai transformar os novos recrutas em verdadeiros soldados do BOPE. Não dá pra vacilar ou fazer concessão..

Ricardo ajustou os óculos, seus olhos fixos em mim com um misto de interesse e reserva.

- Eu entendo a importância do treinamento, Nascimento, mas estou preocupado com sua abordagem. Recentemente, alguns membros da equipe expressaram preocupações sobre a intensidade do seu método. Eles acham que você pode estar indo longe demais.

Minha frustração se acendeu, e meu olhar penetrou o coronel como uma lâmina afiada.

- Coronel, intensificar a parada não é escolha, é necessidade! A gente tá preparando esses caras pra realidade dura das ruas, se não fizer eles ralarem no sufoco, vão quebrar a cara na hora do pega pra capar, e aí não vão estar prontos pro que vem depois.

Ricardo franziu a testa, mostrando uma mistura de ceticismo e preocupação. Me deixando puto, eu quase perdi um dos meus melhores homens essa noite por causa de vagabundo; não iria ceder tão facilmente, do meu batalhão cuido eu.

- Sua dedicação é admirável, mas há um limite para o sofrimento que um homem pode suportar, não queremos criar soldados quebrados, devemos equilibrar a dureza do treinamento com a preservação da integridade mental e emocional dos recrutas.

Inclinei-me para frente, escondendo meus punhos cerrados debaixo da mesa, enquanto sentia a tensão aumentar durante a discussão.

- Integridade? Coronel, com todo o respeito, mas o que o senhor chama de integridade é, na verdade, uma fraqueza disfarçada, o mundo que eles enfrentarão é implacável, se não os ensinarmos a lidar com a pressão e o medo, eles serão esmagados, se eles não se adaptarem, não sobreviverão ao teste final e o BOPE não tem espaço para homens que não sabem o que é o verdadeiro desafio.

Ricardo parecia sentir o peso das minhas palavras, a prática e a teoria colidindo em uma luta silenciosa. Sua experiência estava em choque com minha visão brutal e eficaz.

- Eu não nego que sua abordagem tem suas vantagens, Nascimento. No entanto, o que eu quero garantir é que não estamos apenas forjando guerreiros, mas líderes. O treinamento deve prepará-los para a realidade, mas também deve ensiná-los a liderar e tomar decisões sob pressão, não apenas a resistir à dor.

Respirei fundo, entendendo a necessidade de encontrar um meio-termo, mas não era ele quem subia morro e ficava na mira de uma 762 que atravessa um carro como se fosse papel. É burrice pensar que em uma cidade como essa os policiais vão subir favela só pra fazer valer a lei. Policial tem família amigo. Policial também tem medo de morrer

- Está bem, Coronel, farei ajustes para incorporar aspectos de liderança no treinamento, mas devo alertá-lo, qualquer concessão à suavidade pode comprometer a eficácia da nossa preparação.

Ricardo acenou com a cabeça, sinalizando que estávamos próximos de um consenso. Senti uma gota de suor na nuca, mas respirei aliviado, sabendo que estava perto de encerrar o dia. Só queria ir para casa, tomar meus malditos remédios e esquecer deste dia infernal.

- Certo, Nascimento, façamos isso com cuidado. Eu confio na sua capacidade de liderar, mas lembre-se de que nossa responsabilidade é para com todos os que servem e para aqueles a quem servimos, saiba equilibrar a dureza com a compaixão.

Levantei-me, mantendo a postura imponente, mas agora havia um leve tom de aceitação em minha expressão. Compaixão? Não foi isso que aqueles favelados tiveram quando quase acabaram com a vida do Neto, um dos meus melhores soldados.

- Compreendido, Coronel. Ajustarei o treinamento para incluir os elementos que discutimos. Irei garantir que não apenas sobreviverão, mas que se tornarão líderes resilientes.

Ricardo sorriu, um sorriso sutil de alívio e reconhecimento.

- Muito bem, Capitão. Estou confiante de que encontrará a forma correta de integrar esses princípios, estamos todos na mesma equipe, e nosso objetivo é o sucesso dos homens sob nosso comando.

Fiz uma breve inclinação de cabeça antes de me dirigir à porta. A discussão estava encerrada, mas o peso das palavras ainda pairava no ar. Sabia que o caminho à frente não seria fácil, mas a determinação era minha única arma contra as incertezas que esperavam por mim.

Ao sair do escritório, senti a familiar sensação de pressão, mas também um certo alívio de que pelo menos aquele dia eu havia vencido. A tempestade estava longe de terminar, mas eu estava pronto para enfrentar o que viesse a seguir.

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É isso, amores! Estamos apenas começando nossa jornada, e espero que vocês estejam tão empolgados quanto eu. O Capitão Nascimento é um personagem com uma mente bastante complexa e desafiadora de explorar, então peço que entendam se não houver muitos capítulos narrados por ele, ok? Mas não se preocupem, porque ele vai voltar a ser narrador em alguns momentos.Minha intenção inicial é postar pelo menos dois capítulos por semana, mas não posso prometer isso com certeza, já que escrever exige tempo e preciso equilibrar isso com o trabalho e os estudos. Conto com a compreensão e o apoio de vocês nessa caminhada!

Paixão nas Sombras | Capitão NascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora