dancing with your ghost.

486 52 31
                                    

Querida Ártemis,

esse inverno é mais frio que qualquer outro e o inferno nunca esteve tão podre. Mesmo sendo um monstro eu nunca tinha tido tanto ódio em mim que nem mesmo a morte poderia lavar. Alguns dias, eu queria não ter te conhecido, porque te amo, e por te amar, queria que você estivesse viva, mesmo que não ao meu lado. Mas tem alguns dias que sou grata por toda a dor, porque me fez eternamente eu, e o que seria de mim sem Ártemis? Fraca? Confusa? Rendida? Com medo? Sútil? Eu não seria feliz em nenhuma das situações, Ártemis, porque eu não posso ser feliz sem você ao meu lado. Você é tudo o que eu mais amo e talvez apenas o que eu amo. Ártemis, sempre acordo gritando de raiva quando você aparece nos meus sonhos, eu tento te tirar de mim, mas você está tão fundo em minha alma que eu não deixaria de ser sua nem se cortasse todas as partes em que você tocou. Nesses sonhos, você está tranquila, feliz, correndo com o fruto do nosso amor e você está em paz. Eu sei que de certa forma, você está mesmo, eu sou tão grata que você não sente metade do ódio que sinto, tão grata por você não sentir desgosto por tudo que eu me tornei. Nesses sonhos, eu faço o café e você sorri exatamente do jeito que costumava, e só consigo sair de meu transe porque lembro exatamente de todos os detalhes de seu rosto e eu não sei se vou conseguir não quebrar tudo que existe quando eu não me lembrar mais de sua voz, ou do gosto doce do paraíso proíbido que descansava em sua língua, do seu toque carinhoso e de você me dizendo que eu não precisava me odiar, que eu não era um monstro. Ártemis, estou sim com raiva, mas acima disso, estou com medo. Estou apavorada. Sempre estive, de te perder, e agora que perdi, estou com medo de me perder, porque foi você quem me fez eu. E eu não era ninguém antes de você.

Eu nunca estive viva porque quem não morre não vive. A vida é isso, saber que vai morrer. Eu sabia que você estava viva porque você iria morrer e talvez se você fosse imortal faria tudo isso sem graça. Se você fosse “viver” pra sempre, talvez eu nunca teria te amado. Porque eu não teria nada a perder, mas, Deus, eu perdi tanto. Eu não quero mais amar nada que vive, mas eu não quero amar mais nada. Se eu pudesse, seria viva apenas para morrer e me juntar a você no seu mar de inconsciência.

Ártemis,

eu me casei.

Ártemis, eu sinto muito. Eu não amo Agnes e eu não amo o filho que nasceu dela. Ártemis, eu sei que sou fraca e sei que sou igual ao meu pai, e pela primeira vez (me dói tanto dizer isso, me rasga, me dilacera) eu o entendo. Eu o entendo porque como ele agora não tenho nada a perder além do trono, e não ter algo a perder é tanto assustador quanto libertador.

Estou com medo, Ártemis, e eu nunca senti tanto. Nunca senti tão frio, tanto medo, nunca me arrependi e fui grata na mesma intensidade. Estou confusa e com medo e com frio e eu sinto muito. Eu sinto tanto, mas eu te amo e vou te amar até o dia em que eu morrer, ou seja, pra sempre.

Eu corro, mas pra onde? Não tem onde me esconder. Eu acabo tendo que correr de lá também e eu nunca vou encontrar a paz. Sou amaldiçoada pela sua alma que nem existe e você não sentiu nada que eu não me lembre. Você só existe na memória e você tem noção do quanto isso dói?

Fui até o seu irmão na semana passada. Ele disse que estava feliz por mim. Sua mãe não trabalha mais e assim como eu, ele está casado.

Faz três anos, Ártemis, e eu sou mãe de um filho que não é seu e olha para mim com o mesmo tipo de inocência que eu olhava para o meu pai. Eu não vou dar a ele o que ele quer, vou entregar em suas mãos a responsabilidade de carregar o ódio e a noção assim como me foi dado, e vou esperar pelo dia que ele me odeie o suficiente para enfiar uma estaca no meu peito. Vou cultivar o ódio e a amargura em seu peito para que eu possa me livrar de mim, do meu fardo e do meu próprio ódio e amargor. Eu sou cruel porque nasci pra ser e continuo sentindo muito por isso. Mas não há o que fazer porque, assim como meu pai, e o seu pai, e o pai de seu pai, eu nasci para sentir muito. Esse é o meu fardo e o da minha geração, é o fardo do meu sangue que não tem direito de amar.

Estou aprendendo a aceitar que isso foge do meu controle. O que posso fazer? Desejar.

Se funcionasse, você estaria do meu lado, e eu não teria que sentir muito.

Eu sinto sua falta.

Com amor,

Eu. Que não sei quem sou sem você.

.

.

.

.

.

É isso! Fim oficial. Que alívio...

Bom, se você chegou até aqui, só tenho a agradecer por ter lido e gostado do meu trabalho :)

Peço para que não me peçam por um final feliz pra Ártemis, porque o final dela foi escolhido desde antes de eu postar a história. Não há uma realidade em que ela não acaba sem a Billie, pois o amor delas foi feito pra ser impossível.

Não é um dos meus melhores trabalhos, mas apesar disso, me esforcei muito para manter a escrita dela formal, só que o desenvolvimento acabou sendo meio xulo.

Obrigada por gostar e dar amor a essa história. :D

Always Look Behind You. - Billie Eilish. [G!P]Onde histórias criam vida. Descubra agora