Eu queria estar chapado naquela ocasião. Infelizmente, estava bastante lúcido. E lúcido era a última coisa que eu queria estar ao visitar meus pais. Entrar na casa dos meus velhos soava como um erro, em especial porque já não morava ali há mais de uma década.
Eu saíra de casa muito cedo, para cursar minha faculdade em paz, e nunca mais voltara para o ninho. Então, aquela casa não mais era o meu ambiente. Para piorar, o senhor e a senhora Takahashi não colaboravam para remediar essa estranheza.
Essa sensação só crescia com a ajuda deles. Cada vez que os via arranjavam um jeito de piorar o que já estava ruim. Daí ficava o maior climão, sempre por algum assunto específico que eles traziam à tona.
Depois eles ainda tinham a coragem de jogar a carta da falsa inocência — como se não soubessem que não dá para revirar o esgoto sem ficar com cheiro de merda.
Por essas e outras, apesar da vontade imensa de estar fora de órbita para aguentar essa droga de almoço, eu atendia a esses compromissos completamente limpo. Para poder manter a boca calada e não dizer nada fora de hora, não me comprometer quando os mais velhos começassem com as prosas ruins.
As conversas tortas sempre vinham. Aliás, eram minha única certeza quando o assunto era qualquer atividade com meus pais no meio. Naquele dia, não foi diferente. Mal me sentei para almoçar com minha família, começou a perturbação.
— Como andam as meninas, Yutaka? — perguntou minha mãe num tom casual, nada casual. Ali tinha coisa, com toda a certeza do mundo. Ela nunca tocava em assuntos familiares sem pretensões. Se duvidasse, tinha até terceiras intenções.
— Ótimas. Crescendo que só — meu irmão respondeu, no seu usual tom pedante que me dava vontade de revirar os olhos e não parar mais.
— Coisa boa — ela uniu as mãos em um sinal de gratidão —, coisa boa — repetiu, deixando o clima ainda mais suspeito. — E a Alice, tudo bem com ela? Nunca mais a vi.
— Mais feliz, impossível. Vai assumir a presidência do PCL. O partido fez a melhor escolha, na minha humilde opinião — comentou, com um sorrisinho arrogante, no extremo oposto da humildade. Era impressionante como ele sempre enchia a boca para falar de uma mulher cujo único atrativo era o tamanho de sua conta bancária.
— Que exemplo de mulher! — exclamou ela, toda orgulhosa. — É uma honra ter alguém assim na nossa família. Quem me dera ter outra nora desse jeitinho... — Ela deu a deixa.
— Então, Yudi, quando você irá nos presentear com uma nora pra nos dar esse orgulho também? — Quando meu pai abriu a boca para se pronunciar, soltou logo essa bomba.
Eu engasguei com a comida e comecei a tossir. Precisei de um copo de água e muito pensamento positivo para desentalar. Estava sendo difícil deglutir aquela fala. O velho perdera a noção? Meter essa assim, do nada? De graça?
— Você não tá ficando mais novo, meu filho — apontou a sra. Takahashi.
Jura, mãe? Se não falasse, eu nunca perceberia.
— É, meu garoto, já tem 28 anos, os 30 daqui a pouco chegarão e você aí solteiro. Um partidão desses! — exclamou o sr. Takahashi.
— Verdade, um moço tão bonito, tão bem feito — reforçou minha mãe.
De novo aquela falsidade. Eram apenas pais preocupados com o filho, diriam eles. Como se não tivessem outro filho pra atormentar o juízo. Um filho com o futuro mais promissor e comprometido com a visão de mundo que tinham. Alguém centrado. Completamente diferente de mim.
Mas quem eles escolhiam para atormentar? Quem? Quem? Eu mesmo.
Nessas horas, eu pensava no quanto eu adoraria se o Hoffmann tivesse comido meu irmão em vez da irmã do Dubois. Isso tornaria a vida amorosa dele mais interessante que a minha e desviaria o foco de toda e qualquer conversa naquela casa por gerações.
Para o meu azar, além de heterossexual feito a porra, meu irmão era um grande exemplo de membro de uma família tradicional. O desgraçado tinha só 24 anos, mas já era sinônimo de excelência profissional, casara-se com uma das herdeiras da família Albuquerque — famosa pelo monopólio na política —, tinha duas filhas e um cachorro.
Nada nele era repreensível. Se ele fazia algo de errado, era no sigilo absoluto. Se houvesse algo de errado com ele, eu adoraria saber. Quem sabe assim eu teria um cúmplice na arte de praticar atos reprováveis em vez de um adversário que sempre estava do lado dos nossos pais.
Pena que não tínhamos esse tipo de relação. Eu estava sozinho naquela. E nem sequer sabia como me esquivar daquela conversa. Seria essa uma boa hora para fingir um desmaio?
— Ainda não encontrei a pessoa certa — me justifiquei, embora devesse ter dado o tratamento do silêncio para constranger os dois na frente do meu irmão.
— Escolher bem nunca é exagero. É algo necessário pra qualquer homem que se preze. Contanto que esteja de fato escolhendo — minha mãe lançou a indireta —, não há mal algum.
— Garanto que não é tão difícil quanto você pensa, meu filho — assegurou meu pai. — O mundo anda meio perdido, mas deve haver alguém especial por aí, esperando por você.
Àquela altura eu só queria poder evaporar, sumir dali num passe de mágica, me livrar daqueles dois lunáticos casamenteiros querendo me empurrar para um relacionamento — sendo que a última coisa que eu queria nessa vida era compromisso.
— Se quiser — Yutaka se pronunciou —, posso te arranjar uns contatos — ofereceu ele, como se tivesse boas intenções e não estivesse tirando sarro de mim. — Alice tem várias amigas solteiras à procura de um homem decente. — Pude notar que ele prendeu a risada, apesar de sua discrição.
Não sabia o que fora mais ofensivo. Se havia sido a ironia de me chamar de "homem decente" ou a insinuação de que ele seria capaz de ajudar na tarefa de encontrar uma namorada para mim ao me jogar às lobas. A última ajuda que eu iria querer nesta Terra seria essa.
O simples ato de pensar em ser apresentado para um rebanho de mulheres ricas genéricas, sem um pingo de personalidade, "bonitas" entre muitas aspas, iguaizinhas à esposa dele, me dava calafrios.
Eu preferia (mil vezes) ligar para uma mulher aleatória nos contatos do meu celular e pedi-la em namoro só para sossegar o facho dos velhos do que sair com uma bonequinha de luxo da vida real.
Onegócio estava tão feio que até uma ideia maluca dessas parecia sensata dianteda outra opção.
O que será que ele vai aprontar agora? 🧐 ~fingindo não saber
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Beijos mil ❤️
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Luz Vermelha
Romance+18 | Tudo que Yudi Takahashi mais quer é curtir a vida como se não houvesse amanhã. Mas querer não é poder. A sua realidade exige outra coisa dele. Sua família exige outra coisa. Arranjar uma esposa está entre as muitas exigências "veladas" de seus...