~ banco

45 5 3
                                    

Suspirei, e me sentei. O calor da tarde estava começando a diminuir, mas o sorvete ainda era o único alívio real. Niki se jogou no banco ao meu lado, ocupando mais espaço do que precisava.

O céu estava limpo, com apenas algumas nuvens preguiçosamente espalhadas pelo horizonte. Era uma daquelas tardes que pareciam prometer tranquilidade, como se o mundo estivesse em paz. As folhas das árvores mal se mexiam com o vento suave, e a luz do sol começava a se inclinar, banhando tudo em um tom dourado suave. As sombras das árvores se alongavam na calçada, e o som distante de uma moto zumbindo ao longe parecia ser o único ruído a romper o silêncio que pairava entre nós.Aquele era o tipo de paisagem que deveria trazer conforto. E, de certa forma, trazia — mas não para mim. Não enquanto o japones atentado estava ao meu lado.

Ele estava sentado ali, com os ombros relaxados demais para o meu gosto, a expressão despreocupada como se o mundo não tivesse nenhum problema. Ele não olhava para mim diretamente, mas eu sabia que ele estava ciente da minha presença de uma forma irritante, do jeito que ele sempre estava. Sempre me observando sem realmente me observar, sempre falando sem realmente dizer nada que importasse. E isso me irritava - ja percebemos que isso não é novidade. Talvez mais do que tudo o que ele já tinha feito. Porque ele sabia exatamente como se comportar, como ficar ali sem ser ignorado.

E então, do nada, ele virou a cabeça e me olhou.

Ele desviou o olhar logo em seguida, quase como se não quisesse me dar a satisfação de saber que me observou.

— Eu odeio você — ele disse, a voz baixa, mas clara o suficiente para me alcançar com a precisão de uma lâmina. Não havia raiva nas palavras, nenhuma emoção aparente. Ele as jogou no ar como se estivesse apenas afirmando um fato óbvio.

Mesmo sabendo disso, ouvindo essa frase tantas vezes antes, ainda doía. Não muito, mas o suficiente para sentir um aperto incômodo no peito. Porque, apesar de tudo, ouvir essas palavras diretamente de alguém, ditas de uma forma tão fria e casual, ainda tinha um peso.

— Te garanto que eu te odeio mais, Nishimura — respondi, mantendo minha voz firme, mas com um leve sarcasmo que tentava disfarçar a picada de dor que eu não queria admitir.

Ele soltou uma risadinha curta, seca, como se já esperasse essa resposta.

O silêncio entre nós se estendeu, espesso e incômodo, do tipo que faz o tempo parecer arrastar. Eu queria gritar, queria forçar alguma reação, qualquer coisa que quebrasse aquele vazio que parecia nos engolir. E, mesmo assim, ele ainda estava ali. Mesmo depois de tudo que havíamos dito e feito. Mesmo depois daquela briga monumental no meio do corredor da escola, que não foi só palavras, mas também lágrimas. Não era comum para nós dois chorar, mas naquele dia... algo se quebrou.

Ele chorou. Por que ele chorou? Era uma pergunta que ainda martelava na minha cabeça até hoje, e, ao mesmo tempo, eu odiava que essa questão ainda me perseguisse. Não queria me importar, não queria me lembrar de Niki como alguém vulnerável, alguém que pudesse ser machucado. Eu preferia pensar nele como o cara irritante e insensível que sempre me insultava. Mas aquela lembrança, dele com o rosto contorcido, com lágrimas que ele tentou tanto esconder, insistia em retornar. Ele havia chorado por quê? Porque... de alguma forma, aquilo importava para ele? Porque eu ainda importava?

Suspirei, empurrando os pensamentos para longe, mas o silêncio persistia, e isso me incomodava ainda mais.

_ E mesmo assim me chamou pra tomar sorvete. — Ele abriu um sorriso idiota, do tipo que me dava vontade de jogar o copo vazio na cara dele.

_Eu não te "chamei" pra tomar sorvete. — Revirei os olhos. — Eu simplesmente usei uma técnica pra ver se alguma coisa útil entra nesse seu cabeção.

Ele riu baixinho, como se estivesse se divertindo, e eu dei mais uma mordida no sorvete, fingindo que não estava sendo afetada por aquele sorriso dele. Outra vez, o silêncio se instalou, e por mais que eu tentasse, não conseguia afastar a sensação de que havia algo mais em jogo. Algo que nós dois estávamos evitando encarar.

Meus olhos se perderam na rua à nossa frente, e duas crianças passaram correndo, rindo e gritando, completamente alheias ao mundo ao redor. Elas estavam brincando, provavelmente de pega-pega ou algum jogo que inventaram, como fazíamos quando éramos mais novos. Sem pensar, uma memória invadiu minha mente. Vi nós dois, correndo pela mesma rua, anos atrás, tão despreocupados. Éramos só eu e ele, em um tempo que parecia tão distante agora. Tínhamos segredos, sonhos, e éramos... felizes, eu acho. Sem todo o ódio, sem todo o ressentimento.

Apenas nós dois.

Meu peito apertou com a lembrança, e uma onda de raiva me atingiu com força. Como ele pôde deixar isso morrer?\Antes de tudo, ele era meu amigo. Ele era... mais do que isso. Nós éramos inseparáveis. E agora, olhar para ele só me fazia sentir uma mistura confusa de dor e rancor. Eu o culpava, porque de alguma forma, ele tinha o poder de destruir tudo que havia sido bom entre nós. Ele havia deixado o melhor de nós dois morrer, e eu nunca o perdoaria por isso.

Eu estava tão presa nesses pensamentos que nem percebi quando ele se virou para mim. Só senti seu olhar sobre mim, o peso dele, como se ele estivesse tentando decifrar o que estava acontecendo dentro da minha cabeça. Irritada, e desconfortável com a intensidade daquele olhar, eu o encarei de volta.

— O que foi? — Perguntei, a voz mais áspera do que eu pretendia.

— Você tá quieta demais — ele respondeu, sem rodeios. — O que tá passando por essa cabeça agora?

Eu hesitei por um segundo, com a raiva ainda fervendo sob minha pele. Mas ao invés de explodir como eu normalmente faria, me senti estranhamente vulnerável. As palavras estavam na ponta da minha língua, mas segurei-as, como se dizer em voz alta tornasse tudo mais real. Ele percebeu a hesitação e se inclinou ligeiramente, como se quisesse me encurralar com aquela pergunta.

— Não me olha assim — eu disse, dando um passo para trás, tentando escapar do peso da conversa. — Não é da sua conta.

— Claro que é. — Ele deu um passo em minha direção, sua expressão mais séria agora. — Se fosse qualquer outra coisa, você já teria gritado, já teria jogado alguma coisa na minha cara. Então o que é? Fala logo.

Eu olhei para o chão, meus pensamentos correndo tão rápido que era difícil formar uma resposta.  Parte de mim queria despejar toda a culpa nele, dizer tudo que estava entalado na garganta há anos. Mas do que adianta? Não mudaria nada, ele continuaria o mesmo, ele continuaria me odiando, não posso mudar isso.

Me levantei e continuei o trajeto para minha casa.

__ Olha, pega esse teu gibi, esse seu sorvete e enfia no meio do teu cu, beleza? Me deixa em paz Nishimura.

Sim, eu sai correndo para casa. Eu estou confusa.

Eu quero a minha cama.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 25 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

𝖮𝖽𝖾𝗂𝗈 𝗍𝖾 𝗈𝖽𝗂𝖺𝗋 ☆ 𝖭. 𝖱𝗂𝗄𝗂, 𝖾𝗇𝗁𝗒𝗉𝖾𝗇.♡︎Onde histórias criam vida. Descubra agora