12. A Marca da Serpente

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Entro na delegacia antes do amanhecer. O céu ainda está escuro, e a chuva fina que cai parece carregar o peso dos últimos acontecimentos. Há algumas semanas, um mistério assola a cidade. As pessoas estão desaparecendo sem deixar rastros e, depois de alguns dias, reaparecem. Porém, voltam completamente diferentes.
Os olhos, antes cheios de vida, agora são vazios, como se algo sombrio houvesse tomado conta delas.

Mas, o que me deixa mais assustada é que já vi algo parecido quando era adolescente. São os mesmos olhos gelados do homem do carro e da moça da festa do Juliano.
Suspiro profundamente, tentando dissipar o nervosismo. Ajeito meu colete da Polícia Civil sobre o ombro e caminho pelos corredores da delegacia. Tenho a sensação de que hoje será um longo dia. Aceno rapidamente para alguns colegas, mas meus pensamentos estão concentrados em uma única coisa: o símbolo da serpente.

- Bom dia, delegada - disse Paulo, o escrivão, com um olhar cansado. - Chegou cedo.

- Dia... Como estão as investigações? Alguma novidade sobre o último desaparecido? - pergunto enquanto sigo para minha sala.

Paulo hesitou por um instante.

- Apareceu mais um... Do mesmo jeito dos outros. Personalidade alterada e... a marca.

Paro de caminhar, um frio na espinha, e aquele medo que senti quando o homem do carro me tocou veio à tona, como se eu ainda fosse uma garotinha de 13 anos ainda.

Todos os desaparecidos voltam com uma marca em comum, uma marca em forma de serpente gravada a fogo na pele das vítimas. Ninguém sabe como, onde ou por quem aquilo é feito, mas o padrão não deixa dúvidas: alguém ou algo está por trás desses desaparecimentos.

- Quem é a vítima dessa vez? - pergunto, já pegando meu bloco de notas.

- O nome dele é André Guerra. Ele desapareceu há três dias. A família está desesperada, você sabe... Filho único, estudante de fisioterapia. Foi encontrado vagando próximo ao rio, mas não era o mesmo André. Ele está aqui na delegacia agora.

Aperto os olhos, tentando assimilar a informação. Já era o terceiro caso essa semana.

- Vamos lá - digo.

Sigo pelos corredores da delegacia até uma pequena sala de interrogatório. Ao abrir a porta, encontro André sentado, com as mãos trêmulas. É um jovem, no máximo 23 anos, mas seus olhos estão sem vida, parecem vazios e opacos. A pele pálida contrasta com a marca vermelha e ainda inchada no braço esquerdo. A marca está lá: a serpente enroscada com olhos vermelhos, detalhada como se tivesse sido desenhada por mãos cruéis e precisas.

Sento-me em frente a ele, tentando manter a voz suave.

- André, eu sou a delegada Tália. Quero ajudar você. Pode me dizer o que aconteceu? Onde esteve nos últimos dias?

Ele ergue os olhos lentamente, mas não responde. O silêncio pesa o ar da sala, quase insuportável. Olho para Paulo, que está próximo à porta da sala antes de continuar.

- André, precisamos entender. Você estava desaparecido, sua família está preocupada. Você se lembra de alguma coisa?

Um sorriso surge no canto dos lábios de André, como se ele estivesse ouvindo algo que só ele podia ouvir. Quando finalmente respondeu, sua voz era fria e distante.

- A serpente... ela encontra a todos.

Franzo a testa.

- O que você quer dizer com isso? Quem te fez isso? - Aponto para a marca em seu braço, tentando controlar o nervosismo que me invade.

André riu baixinho, um som que fez os pelos da minha nuca se arrepiarem.

- Nós pertencemos a ele agora. Ele nos escolhe, e depois... - Ele olhou diretamente para mim. - Depois, nada mais importa.

O peso daquelas palavras me fez entender que há algo muito maior em jogo. Levanto-me, encerrando o interrogatório por enquanto.

Saio da sala e sinto vontade de chorar. Está claro que os desaparecimentos e as mudanças de personalidade não são meros crimes comuns. Há algo mais sinistro por trás de tudo isso, algo que ainda está além do alcance da lógica e da lei.

Eu sei que esses casos estão relacionados aos eventos da minha infância, e que ainda hoje ocorrem com muita frequência. Eu não consigo enfrentar isso sozinha. Preciso buscar pistas fora dos caminhos tradicionais da investigação.
Conversar com especialistas, talvez em cultos, mitologia, qualquer coisa que me ajude a entender o significado daquela serpente que nunca saiu da minha memória desde o dia do incidente com as pessoas no carro.

Passo o dia na delegacia tentando achar respostas, pesquisando na internet sobre cultos, rituais, marcas, grupos religiosos. Mas nada me aponta uma direção. O cansaço pesa em meus olhos. Olho para o relógio, que marca 17h55. Quase no horário que combinei com a Alexis.

Desligo o monitor do computador, pego minha bolsa e sigo para o lugar que combinamos.

Caminho dos Sonhos- A Terra SecretaOnde histórias criam vida. Descubra agora