14. A Marcha dos Enfeitiçados

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Já é quase final da tarde, e estou aqui na minha décima caneca de café, sem ter ideia do que fazer. Depois de horas estudando o caso dos desaparecidos, continuo sem saber que caminho trilhar. Minha cabeça dói. Olho para a mesa repleta de relatórios; já faz semanas que esse caso se arrasta, e as pistas parecem escapar das minhas mãos como areia fina.

Cada vez mais pessoas estão desaparecendo e voltam como se não fossem mais as mesmas. Silenciosas, com olhos vazios e comportamentos estranhos, é como se seus corpos estivessem presentes, mas suas almas estivessem em outro lugar. O mais perturbador é a estranha obediência a uma voz que ninguém mais ouve.

Me ajeito na cadeira e pego o relatório de Amália, desaparecida por quatro dias, encontrada à beira de um córrego na cidade vizinha. Assim como os outros, ela não se lembra do que aconteceu, e, também como os outros, não é mais a mesma.

Suspiro profundamente, fechando os olhos por um instante. Então, um frio intenso percorre minha espinha, e, antes que eu pudesse reagir, o mundo ao meu redor escurece. Luzes começam a piscar. Isso não é um sonho.

Vejo e sinto cada detalhe do lugar aterrador para onde minha mente foi transportada. A visão é intensa, como uma avalanche de imagens.

Estou em uma planície coberta por névoa. O ar é pesado, quase irrespirável. Ao longe, vejo uma figura alta e imponente, vestida com um manto escuro que balança ao vento. Ele está cercado por serpentes que se movem silenciosas ao seu redor, e suas escamas brilham à luz da lua. Tento focar no homem - o líder. Ele ergue um bastão de madeira negra, decorado com símbolos antigos e entalhes de serpentes enroscadas.

Eu sei, sem entender como, que ele é o responsável pelos desaparecimentos!

Ele move os braços de forma ritmada, como se estivesse conduzindo uma orquestra invisível. Ao seu comando, uma multidão surge lentamente da escuridão. Centenas de pessoas, todas com os mesmos olhos sem vida que vejo nas vítimas. Marcham em um ritmo preciso, com os corpos rígidos, como se fossem marionetes a serviço de um mestre invisível.

Cada passo deles ecoa na minha mente, um som oco e assustador. Então, o líder fala, e sua voz soa como o sibilo de uma serpente:

- Eles não são mais deles próprios. Pertencem a mim. E logo muitos mais seguirão.

Parece que ele estava falando para alguém, mas não havia ninguém além dele ali.

Tento me mover, mas meu corpo está preso, congelado pela intensidade da visão. Sinto a energia sombria que emana do homem, canalizando o poder de algo maligno. As serpentes ao redor dele se movem de forma hipnótica. Então, quando elevo o olhar para o homem, os olhos dele estão fixos em mim, como se ele tivesse percebido minha presença! Um terror frio toma conta de mim. Será que ele sabe que estou aqui?

De repente, ele ergue a mão com um gesto lento, e as pessoas que marchavam, param abruptamente. Ele aponta para mim, e elas começam a marchar em minha direção, cada vez mais rápido, como se obedecessem a uma ordem silenciosa de me capturar. Meu coração dispara.

- Preciso sair daqui, preciso acordar.

Eu gritava para mim mesma, tentando fazer minha mente voltar. Com um esforço tremendo, abro os olhos. A sala da delegacia volta à vista: a luz suave da lâmpada ao meu lado e o som das pessoas conversando nos corredores. Meu corpo está coberto de suor frio, minha respiração irregular, como se eu tivesse corrido uma longa distância.

Nunca tive uma visão tão intensa e clara como essa. Isso não pode ser apenas uma simples ilusão; foi real. Aquele homem é real,e é o responsável pelas pessoas transformadas, controladas como fantoches. Ele é a fonte desse mal. Mas como posso combatê-lo? Como derrotar alguém que opera nas sombras e tem o poder de manipular mentes? E como as autoridades vão acreditar em mim?

Fecho o relatório de Amália e sinto que agora, a pergunta não é mais o que está acontecendo, mas como posso impedir que isso continue!?

Preciso de mais informações do que essa visão me deu para enfrentar esse homem das serpentes, e sei onde encontrar as respostas.

Pego o telefone e disco o número. A voz do outro lado responde:

- Alô? Tália?

- Mãe, preciso dos dados do orfanato de onde você me adotou.

Chega de me esconder e de empurrar para o fundo da minha mente coisas que estão lutando cada vez mais para sair.

Caminho dos Sonhos- A Terra SecretaOnde histórias criam vida. Descubra agora