20. A Sabedoria do Pajé

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Depois do pesadelo que tive, senti que precisava de ajuda. De alguma forma, sinto que minhas decisões nesses sonhos terão impacto no mundo físico. O que senti no pesadelo ontem foi muito forte. Os olhos dele eram como poços sem fundo e me chamavam para algo ao qual eu não conseguia resistir. Não era só medo que eu sentia, era algo mais perigoso, quase sedutor. Sei que não resistiria, se não fosse pela ajuda do Espírito do Rio.

Olhei para o lado. Alexis dormia profundamente, respirando de maneira tranquila. Resolvi me levantar e procurar o Pajé, esperando que ele pudesse me ajudar, pois me sinto realmente perdida nessa situação. No meu pesadelo, o mago sabia o que fazia. Ele manipulava minha vulnerabilidade, mexendo com algo dentro de mim que ainda não compreendo. Sabia que, se eu não fizesse nada, acabaria cedendo.

Espero sinceramente que o Pajé saiba como me proteger. Os Iruá pareciam conhecer segredos profundos, e, se diziam que eu era ligada ao Espírito das Águas, talvez esse vínculo pudesse me salvar. Com o coração ainda pesado, saí da cabana e caminhei pela aldeia, que já começava a despertar com o nascer do sol. O som do rio ao longe me acalmava, como se me chamasse de volta para um lugar seguro.

O Pajé estava sentado ao redor de uma pequena fogueira, entoando cânticos baixos. Seus olhos, apesar da idade, eram intensos e cheios de sabedoria. Aproximei-me devagar, e ele fez um gesto para que eu me sentasse ao seu lado.

— Sonhou com ele de novo, não foi? — disse ele, sem que eu precisasse falar.

Assenti, sentindo o peso daquele olhar sobre mim.

— Ele tenta me controlar. Tenta entrar na minha mente e me seduzir com suas palavras. Não sei por quanto tempo mais vou conseguir resistir.

Ele assentiu lentamente, como se já esperasse por isso.

— O mago das serpentes é astuto. Ele conhece os desejos e medos mais profundos dos corações. Manipula o que há de mais oculto em sua alma. Mas, Talia, você tem algo que ele não tem: a força das águas. É por isso que ele te persegue, porque teme o que você pode descobrir.

— Mas como posso lutar contra ele? — perguntei, sentindo minha voz trêmula. — Como posso evitar que ele me controle?

O Pajé ficou em silêncio por um momento, olhando para as chamas que dançavam à sua frente. Então, ele pegou um recipiente de barro ao seu lado, encheu-o com água do rio e colocou-o entre nós.

— A água é o símbolo mais sagrado da nossa tribo. Ela tem a capacidade de fluir e se moldar, mas também é implacável em sua força. Quando o mago tentar te hipnotizar, foque no fluxo da água. Acalme sua mente e deixe que o Espírito das Águas a proteja.

Ele colocou as mãos sobre a tigela e entoou palavras antigas, que eu não conseguia entender. Lentamente, senti uma onda de calma me invadir. Era como se a água, pura e serena, preenchesse cada parte de mim, lavando o medo, a dúvida e a fraqueza. O Pajé então olhou para mim com seriedade nos olhos.

— Você é filha das águas, Tália. Esse espírito te guia, mas também exige que você confie nele. Quando estiver em perigo, quando sentir o chamado do mago, lembre-se da água. Ele não pode te tocar enquanto você estiver conectada a ela.

Respirei fundo, deixando aquela sensação de paz tomar conta de mim. Havia algo tranquilizador naquelas palavras, como se eu finalmente estivesse começando a entender meu lugar no mundo.

Nesse momento, Alexis apareceu, bocejando e parecendo confusa com toda a cena.

— Tália, o que está acontecendo? Você sumiu de repente.

Sorri para ela.

— Estou apenas aprendendo a me proteger.

O Pajé nos olhou e gesticulou para que Alexis se juntasse a nós.

— Vocês duas têm muito a aprender sobre os Iruá e seu vínculo com a água. Não é apenas um símbolo, é nossa essência. Cada rito, cada cântico, cada tradição está conectado a ela.

Ele explicou que a tribo acredita que a água carrega a memória dos ancestrais, e é através dela que os Iruá buscam sabedoria e força. Sempre que estão em conflito ou precisam de respostas, eles se voltam para os rios e lagos sagrados. A água, segundo eles, é um espelho da alma, refletindo aquilo que está mais profundo dentro de nós. Para eles, o ato de beber ou se banhar nas águas do rio não é apenas uma questão de sobrevivência, mas uma conexão espiritual com o passado e com os deuses.

Enquanto o Pajé falava, senti essa conexão crescer dentro de mim. A água era mais do que um simples elemento natural, era o meu elo com algo maior, algo que talvez eu sempre tivesse sentido, mas nunca soubera nomear.

— Vocês precisam entender que o mago das serpentes é poderoso, mas ele não pode controlar o que é fluido e livre. Vocês devem aprender a ser como a água: adaptáveis, porém indomáveis — concluiu o Pajé.

Olhei para Alexis, que me deu um sorriso confiante. Ela sempre tinha a capacidade de me fazer sentir mais forte, mesmo nas situações mais desesperadoras. Sabíamos que a batalha contra o mago das serpentes seria árdua, mas agora, pelo menos, eu tinha uma arma poderosa: a força das águas que corria em minhas veias.

O sol já estava alto quando nos despedimos do Pajé, mas eu sabia que um novo caminho se abria para nós. E, dessa vez, eu estava pronta.

Pajé Iruá

Pajé Iruá

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