Capítulo Onze

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A primeira coisa que minha mãe disse assim que cheguei em casa foi a seguinte:

– Minha Nossa Senhora!

Eu fechei a porta com o pé e me adiantei para escada.

– Você pode surtar depois, porque agora preciso de um banho.

Minha mãe riu.

– Acho que não vai ser eu a surtar.

Subi as escadas melando o piso de tinta até o banheiro do meu quarto. Acho que estava impressionado o bastante para não ter me lembrado de tirar os sapatos. Minha mãe vai ficar puta quando descobrir que sujei o carpete do quarto. Eu não estava ligando para oque poderia acontecer, pela primeira vez eu não pensava. Queria apenas meu banho.

Encarei-me no espelho, uma figura melosa e colorida estava a minha frente. Nunca me senti tão colorido na minha vida, era como estar dentro de uma boate, com aquelas luzes estranhas. Eu segurei minha camisa e a arranquei do corpo jogando onde não enxergava. Meu peito estava limpo. A tinta não se propagou nele, era um alivio a certo ponto, porque eu odiava quando alguma coisa grudava em meu peito ou barriga, acredite, descobri isso com algo não tanto constrangedor. Levei minhas mãos para a calça e desabotoei. Abaixei-a junto com a cueca e chutei para perto da camisa. Eu estava nu diante de mim mesmo agora, observava meu corpo melado. Do peito para baixo estava limpo, e meus braços e minha cabeça toda encharcada de tintas coloridas. Comecei a rir loucamente ao perceber o quanto isso era mórbido para mim, me olhar no espelho e fingir ser outra pessoa. Afinal. Eu estava rindo de mim mesmo pelado na frente de um espelho. Deixei de lado essa questão e fui ligar o chuveiro.

A água estava quente e deliciosa. Eu me sentei no chão com a cabeça entre as pernas e a água caindo sobre minha cabeça. Pensei no que tinha acontecido. Era uma sensação tão boa, tão diferente do que fazia na minha vida. Então porque, de alguma forma eu me sentia frio? Oque acontecia comigo quando pensava em sorrisos? Festas, comemorações? Pessoas alegres a minha volta dançando, pulando, vivendo. Eu sabia que a felicidade não era duradoura, como eu poderia aproveita-la ao máximo sendo que não poderia me sentir feliz? Uma dor, forte o bastante me derrubava, ainda me derrubava. Não era tão estranho se sentir machucado comigo mesmo, isso já era parte de mim.

Era quando eles falavam. Diziam-me coisas terríveis. Eu não era humano. Eu não tinha amigos. Eu não sirvo para ninguém. Ninguém gosta de mim. Sou uma aberração. Esquisito. Feio. Anormal. Fechei meus ouvidos com ambas às mãos para abafar oque me diziam, mas nunca adianta. E nunca irá adiantar. As memórias preenchiam todo o espaço lúcido e vazio em minha terrível mente; primeiro os rostos assustados, minha mãe chorando, meu pai chorando. E seguia as memórias, Kian sendo espancado pelos marginais, Lisa se cortando e Jake levando uma surra. Eu não presenciei essas cenas, mas sei que existe um sofrimento nelas que ficam gravados em seus rostos quando os vejo. Oque é demais para me levar ao um mundo de sofrimentos. Por quê? Porque o mundo tinha que ser assim?

Comecei a chorar, porque a vida de uma hora para outra não fazia mais sentido.

***

Depois de quase dez minutos se lamentando sobre a água em minha cabeça, eu desliguei o chuveiro e se enrolei na toalha. Fui para meu quarto para pegar minhas roupas, mas ao invés de fazer isso sentei em minha cama para refletir; eu adorava lamentar fazer isso. Na certa, eu devia estar delirando.

Foi nessa hora que minha mãe entrou no quarto trazendo um embrulho entre o tronco o braço. Quando me viu, literalmente ela bufou e cedeu com os ombros, ela afastou a porta com a perna para que ela se fechasse. Caminhou até a cama e se sentou ao meu lado. Primeiro ela olhou para o carpete melado de tinta multicolorida que ela, talvez, teria que limpar (se estivesse de muito bom humor). Não disse nada e olhou para mim.

KianOnde histórias criam vida. Descubra agora